Um jardim a fingir no céu de Lisboa
Galos de Barcelos, canecas de Lisboa, sardinhas vestidas, despidas, às riscas, com gravata e risco ao lado, canecas com nomes, Elsa, Céu, Daniel, Deolinda, Célia, Amélia, travessas-morango e travessas-girassol, terrina-abóbora, terrina-couve, folhas de couve com sardinhas, com sapos, com andorinhas. Canecas do Sporting, “Sou um Leão”, do Benfica, “Sou uma Águia”, e do Porto, “Sou um Dragão”. Pratos e copos e jarros, um tasting set por 15 euros, um serviço completo de 24 peças por 59,95 — é só uma questão de decidirmos se queremos ser clássicos ou modernos. Velas com cheiro, cristais, molduras, quadros, animais. Bonecas japonesas, um porco a levantar pesos e um urso a segurar uma bola, um menino-pasteleiro em louça e um deus indiano a tocar música. Espelhos e pratas, pratos de estanho para celebrar Bodas de Prata. Termos e passadores, batedeiras e aquecedores, cataplanas algarvias, panelas de todos os tamanhos, ventoinhas e espremedores, recipientes de todas as cores, almofadões e sacos de pão, lençóis e tapetes de chão, cadeiras de praia e grelhadores, alcatifas azuis, verdes, vermelhas, colchões, espumas e enchimentos. Telas para toldos e para hospitais, lisas, às flores, às riscas. Tudo o que é preciso para acampar, para dormir, para acordar, para ir à escola, para cozinhar.Armários de casa de banho, tampos de sanitas, relógios e candeeiros, tábuas para passar, ferros de engomar, malas para viajar. E cadernos, tintas, brinquedos, Lego e Playmobil, pistolas Nerf e Pinypons, Nenucos e Homens-Aranha, caixotes do lixo e bidons. No fim de tudo isto, um jardim de flores artificiais, amarelas, vermelhas, brancas, roxas.E, depois, Lisboa. De repente, sem aviso, à nossa frente. Por entre as flores de plástico e pano. O sol bate-nos nos olhos. Saímos lá para fora. Mesas, cadeiras, ao longe o Elevador de Santa Justa e as ruínas do Carmo, o Rossio e, voltadas de costas, as estátuas do Arco da Rua Augusta. Lá muito ao fundo, as Amoreiras. Atrás de nós o Castelo de São Jorge, à esquerda o Tejo, à nossa volta a Baixa. Estamos no 9.º andar dos armazéns Pollux. Temos Lisboa aos pés. E ali ao lado um jardim que promete nunca murchar.
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(Breve história dos Armazéns Pollux: fundados em 1936 por quatro sócios, nasceram inicialmente na Rua da Palma para vender “malhas, tecidos e quinquilharias”. Anos depois, mudaram-se para o n.º 276 da Rua dos Fanqueiros e, pouco a pouco, conquistaram todo o edifício. Antes do 25 de Abril, tinham na exportação um grande mercado, mas depois foram obrigados a reinventar-se. Desde 1988 que pertencem à família António Robalo.
Lisboa mudou muito desde os anos 30 do século passado, mas até hoje a Pollux ocupa os nove andares do mesmo prédio, vendendo literalmente de tudo. No último andar, num antigo sótão usado para arrumações, abriu há uns anos uma cafetaria com uma esplanada que tem uma das mais bonitas vistas de Lisboa. Ainda há muitos lisboetas que não a conhecem.)