O regime presidencialista de Sidónio anunciou o fim da República
Um ano e nove meses depois de entrar formalmente na I Guerra Mundial a República é varrida pela tempestade política de Sidónio Pais. A “República Nova” que proclamou ruiria um ano depois com o seu assassinato, mas a sua experiência política, inovadora e insólita, deixaria marcas e seria um balão de ensaio para soluções aplicadas posteriormente pelo Estado Novo
A 5 de Dezembro de 1917, o que aparentava ser um vulgar golpe de Estado em Lisboa com o objectivo primordial de afastar do poder os democráticos de Afonso Costa depressa se transformou numa experiência política tão inovadora como insólita em Portugal e na Europa. À cabeça do movimento militar está o major Sidónio Pais, um pouco conhecido professor de matemática e discreto membro da elite republicana conservadora, com fugazes passagens pelos dois primeiros governos constitucionais republicanos, nas pastas do Fomento e das Finanças, e ex-embaixador em Berlim. Durante um ano conturbado, instituiu uma “República Nova”, presidencialista e alicerçada no seu carisma pessoal, que pretendia aberta a todos os portugueses. Um regime híbrido, próximo dos regimes autoritários do pós-Grande Guerra, mas mantendo os elementos próprios do republicanismo. A experiência não sobreviverá ao seu mentor, assassinado na Estação do Rossio, em Lisboa, a 14 de Dezembro de 1918, mas nada voltaria a ser como antes.
A chegada de Sidónio Pais ao poder não foi antecipada por ninguém, nem pelo próprio, mas fruto das circunstâncias ditadas por um dos períodos mais dramáticos da história portuguesa do século XX. Foi uma resposta directa aos problemas criados pela Grande Guerra, para os quais o major docente procura encontrar soluções originais e urgentes, mas sem um programa político pré-definido. No terrível ano de 1917, agudizaram-se as ondas de choque provocadas pelo quarto ano do conflito mundial. A falta generalizada de matérias-primas e géneros de primeira necessidade e o consequente agravamento da inflação provocam o caos nos países europeus beligerantes e neutrais. Sucederam-se quedas de governos, por demissão ou derrube violento. Portugal não será excepção. A pressão das condições provocadas pela I Guerra Mundial e a determinação inabalável de Afonso Costa e do Partido Democrático (principais promotores da participação portuguesa no conflito) em manter o poder, a qualquer custo, vai adiando o inevitável, mas será impotente para contrariar a crescente onda de impopularidade e contestação. Acentuavam-se todas as clivagens que tinham caracterizado o regime republicano desde a sua implantação.
Ao longo do ano de 1917, com o agravar da crise económica, social e política, vai-se ampliando a base social de oposição ao governo, ao mesmo tempo que se estreita a sua base política, com divisões entre os próprios democráticos. Com a radicalização dos protestos, vão multiplicar-se as greves E os assaltos a lojas e armazéns, face à carestia da vida e aos problemas da escassez de géneros de primeira necessidade e do mercado negro. O Executivo afonsista entra em conflito aberto com o movimento operário, com o mundo rural e com sectores urbanos que haviam formado a sua base de apoio, como o pequeno comércio, que contestava agora a política de tabelamento dos preços e a falta de respostas governamentais para travar a crescente onda de assaltos. Acossado por todos os lados, Afonso Costa inviabiliza qualquer via legal para a mudança. Sobrava a força para lhe retirar as rédeas de um país que clamava por estabilidade e ordem.
Confirmado o sucesso do golpe militar a 8 de Dezembro, em redor de Sidónio Pais vai reunir-se uma vasta fronda anti-afonsista, formando uma ampla e heteróclita “coligação negativa”, que ia da extrema-direita integralista (defensora da monarquia tradicional, orgânica e antiparlamentar) à extrema-esquerda anarquista, comungando apenas o ódio ao líder histórico democrático. O lente de matemática foi surpreendido com banhos de multidão e aclamado como um salvador. Interiorizou o papel. Numa conjuntura dantesca, de guerra, fome e epidemia, ampliada por insanáveis divisões e violência, Sidónio Pais vai improvisar no espaço de um ano um regime original, idealizado para responder à conjuntura particular do momento. Uma efémera “República Nova”, que ruiria com o seu último suspiro, mas que seria um balão de ensaio para soluções aplicadas posteriormente pelo Estado Novo. Assumindo uma imagem de militar austero, descomprometido com a situação política anterior, Sidónio Pais propõe-se repor a ordem e os valores tradicionais para salvar a “Pátria”. Uma mensagem recebida com entusiasmo por um país desejoso de encontrar um “messias” que liderasse a nação neste período conturbado.
Lente de matemática e militar
Nascido a 1 de Maio de 1872, em Caminha, no Minho, filho de um tabelião com poucas posses (que morre de pneumonia em 1883), Sidónio Pais procura através de uma carreira no Exército financiar os seus estudos e ajudar a família numerosa. Abandonará a carreira militar activa em 1899 (será graduado a major em 1916), ao ser nomeado lente na Faculdade de Matemática da Universidade de Coimbra. Em termos políticos, prima pela discrição. Mais tarde dirá que se tornou republicano aos 15 anos (1887), mas só com o advento da República será notado. Com a cisão do Partido Republicano Português (PRP), irá apoiar o Partido Unionista de Brito Camacho, iniciando-se, em Fevereiro de 1911, na maçonaria, onde adopta simbolicamente o nome de Carlyle, em homenagem ao filósofo e historiador escocês Thomas Carlyle (que na sua obra glorificou os grandes homens através da História, relevando a importância do heroísmo na definição da ambição das nações e dos seus povos e estabelecendo uma íntima relação entre heroísmo e mito). Esta militância política irá promover-lhe duas curtas passagens pelos dois primeiros governos constitucionais. Primeiro, como ministro do Fomento, no Executivo de João Chagas (1911); depois, com a pasta das Finanças, no governo de Augusto de Vasconcelos (1911-12).
Desiludido com a política nativa, será nomeado, a seu pedido, ministro plenipotenciário de Portugal em Berlim (1912-1916). Após a declaração de guerra da Alemanha a Portugal, a 9 de Março de 1916, regressa a Lisboa, constatando o caos que se vive no país, agravado com a entrada oficial na Guerra. Envolve-se em movimentos conspirativos para derrubar Afonso Costa, acabando por liderar a preparação de um golpe de Estado, mobilizando civis e militares para as suas fileiras. O líder do Partido Unionista, temendo as consequências de um fracasso, acabará por distanciar-se do movimento, mas Sidónio permanecerá inamovível, ganhando crescente ascendente entre os golpistas, que se alargam aos meios independentes e até monárquicos para compensar alguma desmobilização unionista. A conspiração ganha fôlego com o fim do executivo da União Sagrada, que deixa os democráticos de Afonso Costa mais isolados no poder. Muito provavelmente a par da conspiração, o Governo opta por não agir, confiando numa vitória fácil quando o movimento saísse para a rua e que legitimasse de seguida uma “caça” aos seus adversários políticos.
Após garantir o financiamento de alguns grandes proprietários alentejanos, nomeadamente António Sousa Fernandes (que se opunham à política “guerrista” de Afonso Costa, contestando em particular o tabelamento dos preços agrícolas que restringiam as margens de lucro), o golpe avança na noite de 5 de Dezembro de 1917, com a participação decisiva de unidades militares que se preparavam para seguir para a frente de combate. Os revoltosos concentraram-se no Parque Eduardo VII e Rotunda, cenários emblemáticos da revolução do 5 de Outubro de 1910. A luta foi mais sangrenta do que aquela que depôs a Monarquia, com mais de 100 mortos contabilizados. A vitória dos conspiradores será confirmada no dia 8 de Dezembro, face à rendição das hostes “afonsistas”, que já não contam com o apoio das “ruas”.
No mesmo dia, o suplemento do Diário do Governo proclamou a “vitória da revolução”, através de uma nota assinada por Sidónio Pais, em nome da Junta Revolucionária: “Cidadãos! Venceu a República contra a demagogia (…) A Revolução teve em vista restaurar a justiça e o Império da Lei, e, sendo feita contra a desordem do poder, ela deseja a tranquilidade e o trabalho, e, tendo autoridade moral para conseguir estes elementos de paz nacional, tem a força para os tornar efectivos.” Após algumas tentativas falhadas para encontrar soluções governativas no quadro dos partidos republicanos conservadores oposicionistas aos democráticos, será o próprio líder “dezembrista” a assumir o executivo, apoiado pelos militares vitoriosos.
Uma República sem democráticos
Assumindo desde a primeira hora uma linha republicana intransigente, purgada da “demagogia” dos democráticos, o novo poder inicia a limpeza do aparelho do Estado, a que não escapou o Presidente da República, Bernardino Machado, que, acusado de cumplicidade com o executivo deposto, será preso e posteriormente desterrado para França. Um acto que, simbolicamente e na prática, abolia a Constituição de 1911 e, com ela, a “República Velha”. Não havia espaço para contemplações ou equívocos: pretendia-se uma viragem tão importante no país como a revolução do 5 de Outubro de 1910, eliminando o exclusivismo republicano aos órgãos de poder e abrindo as portas do regime a todos os portugueses, sem olhar a credos políticos ou religiosos.
Com a mais ampla base de apoio desde a instauração da República, o primeiro governo sidonista incluirá os sectores republicanos mais moderados e conservadores, com elementos do Partido Unionista, do Partido Centrista (fundado ainda em 1917 por dissidentes do Partido Evolucionista de António José de Almeida, e liderado por Egas Moniz, futuro Prémio Nobel da Medicina), do grupo de Machado Santos, um dos fundadores da República, e por independentes republicanos ligados às associações patronais. Mas recolherá ainda o apoio de católicos e monárquicos (dos partidários da restauração da monarquia constitucional aos Integralistas) e até, ainda que de forma condicional e temporária, do movimento sindical da União Operária Nacional (UON), para além das principais associações económicas e comerciais nacionais. Forças fortemente antagónicas (uma “manta de retalhos” como lhe chamaria Brito Camacho), apenas sintonizadas no ódio ao Partido Democrático de Afonso Costa, e que rapidamente vão entrar em choque. As várias alterações nos elencos governativos que se seguirão ao longo de 1918, serão a consequência de realinhamentos políticos, que irão tender para uma aproximação à direita, face aos crescentes desentendimentos com o republicanismo “histórico”.
A política de atracção aos sectores mais conservadores passou igualmente por aliviar a pressão sobre a Igreja Católica, alvo das perseguições dos radicais democráticos desde a implantação da República. Recebido com grande expectativa, Sidónio Pais foi encarado como um “milagre político”, um “messias” antecipado pelas aparições de Fátima, escassos meses antes. O governo sidonista vai corresponder com medidas que visavam a pacificação religiosa, que culminarão com a revisão da Lei de Separação da Igreja do Estado, de Afonso Costa, viabilizando o reatamento das relações diplomáticas com o Vaticano. O poder político voltava a reconhecer a importância do papel da Igreja na sociedade portuguesa, procurando atrair os católicos para o interior do regime e alargando desta forma a sua base social de apoio.
Em caminho contrário, seguiram as relações com o operariado. Se ainda no Parque Eduardo VII, durante o golpe, Sidónio aceita o apoio de trabalhadores sindicalizados (e a neutralidade de muitos outros), em troca da libertação de companheiros detidos por questões sociais pelo governo afonsista, depressa a União Operária Nacional (UON) se desilude com o novo regime, face à falta de respostas às suas reclamações e à acção da máquina repressiva do Estado, num crescente antagonismo que culminará com uma greve geral, a 18 de Novembro de 1918.
A “Ideia Nova” presidencialista
As manifestações populares de apoio, numa dimensão sem paralelismo na República, que Sidónio Pais irá testemunhar de Norte a Sul do país convencem-no da disponibilidade nacional para uma ampla reforma do sistema político. Na mente do novo líder e dos seus colaboradores mais próximos surge o esboço de um novo regime. Uma “Ideia Nova” que ultrapassasse os obstáculos dos partidos republicanos tradicionais e do sistema parlamentar, considerado esgotado. Em Fevereiro de 1918, depois de ter a acumulado a chefia do governo, com as pastas dos Negócios Estrangeiros e da Guerra e a presidência da República (27 de Dezembro de 1917), Sidónio irá expor brevemente o seu ideário em Évora e Beja. “A rotina dos partidos é um mal. É necessário formar um partido constituído por todos e para realizar a obra da República e assim se deve fazer.”; “É necessário que o país se pronuncie sobre a forma de regime que deve adoptar: se parlamentar, se presidencialista. O primeiro faliu; o segundo é a Ideia Nova!”
Mantinha-se a República e o sistema bicamarário (Senado e Câmara dos Deputados), mas seriam revistos os fundamentos constitucionais do regime parlamentar estabelecidos pela Constituição de 1911, que atribuía ao parlamento a primazia legislativa e de regulação institucional do sistema. Através dos Decreto de 11 e 30 de Março de 1918, estatuiu-se o sufrágio universal masculino, para aprofundar a legitimidade da representação democrática, alargando-o à eleição do Presidente da República (até então eleito pelo parlamento), com o objectivo de libertar o chefe de Estado das tutelas partidárias. Ao mesmo tempo, alterou-se a composição do Senado, que passaria a integrar os interesses das classes (associações patronais, sindicais, industriais e profissões liberais), num esboço de representação corporativa.
Com estas alterações e mesmo antes de ser proposta a revisão constitucional, Sidónio Pais será eleito Presidente da República, a 28 de Abril de 1918, com meio milhão de votos (seria proclamado a 9 de Maio na Câmara Municipal de Lisboa, tal como os reis, e não no Parlamento), desempenhando estas funções em simultâneo com a chefia do Governo. Instalava-se o regime presidencialista. Ao mesmo tempo decorreram eleições para uma assembleia de deputados com poderes constituintes, boicotadas pelos partidos republicanos tradicionais, com a vitória do novo Partido Nacional Republicano, que absorveu o Partido Centrista e integra os reformistas de Machado Santos. Fora deste movimento, de iniciativa governamental, apenas os monárquicos e católicos estariam representados. Um novo partido e um novo parlamento que estarão subalternizados a Sidónio Pais, acentuando-se a feição de ditadura pessoal da “República Nova”.
Esta personalização da política portuguesa avalizada pelo país não escapou à pena mordaz de João Chagas, que seguia de Paris a evolução dos acontecimentos. A 12 de Maio de 1918, o “histórico” republicano qualifica no seu Diário a situação como uma aberração. “É ao mesmo tempo Presidente da República e presidente do Conselho e é duas vezes ministro – ministro da Guerra e ministro dos Negócios Estrangeiros, mas esta revoltante e ridícula anomalia não parece surpreender ninguém.” E vaticinará seis dias depois: “Embora por outros caminhos, Sidónio e a gente que o acompanha segue a derrota do franquismo, cuja política de provocação acabou pelo regicídio e pela República. Não me surpreenderia muito que Sidónio acabasse como D. Carlos. Não entrevejo no seu destino – o exílio.”
Em Portugal, a imagem do chefe carismático é cuidadosamente encenada, aproximando-o de figuras que estarão nos anos seguintes ligadas a experiências ditatoriais na Europa. Sidónio Pais foi o primeiro político português a montar e a colocar ao seu serviço uma máquina de propaganda, que transforma num instrumento fundamental para a construção da sua própria imagem política, cimentada num carisma populista inaudito. Era ao mesmo tempo o catedrático, o garboso militar - envergando a sua farda (emprestada para o golpe militar e que não mais tiraria) em tempo de guerra, encabeçando os constantes exercícios e paradas militares – e o caridoso, preocupado com os desfavorecidos e com os doentes da “peste” (a “gripe pneumónica”, ou “espanhola”, e o tifo), que, em poucos meses (ao longo de 1918), irá ceifar muito mais vidas do que as baixas provocadas pela guerra (estima-se que tenha vitimado aproximadamente 60 mil pessoas, no total). Bem distante da imagem republicana do político civil, Sidónio instala-se nos antigos palácios reais. Será mais tarde apelidado de “presidente-rei”, pelo poeta Fernando Pessoa, seu contemporâneo e confesso admirador, numa alusão ao líder carismático escolhido pelo povo para o seu governo.
Desagregação do sidonismo
Ao mesmo tempo, vai-se degradando o bloco de apoio ao sidonismo, nomeadamente com as insanáveis fracturas entre republicanos e monárquicos e entre os defensores do presidencialismo e do parlamentarismo. “O 5 de Dezembro foi um movimento feito por um grupo de homens alheios a partidos políticos e, por isso, eu tenho a hostilidade declarada das esquerdas ao mesmo tempo que a falta do apoio das direitas”, dirá Sidónio numa visita à “sua” Universidade de Coimbra, a 30 de Novembro de 1918, escassas duas semanas antes do seu assassinato.
De facto, a partir de Outubro de 1918, agravou-se a contestação ao regime, com constantes boatos sobre conspirações para o seu derrube. O governo responde com uma política repressiva, conduzida por um aparelho de segurança e policial que fora amplamente reforçado nos primeiros meses do sidonismo, onde a principal novidade passou pela eficácia dada à Polícia Preventiva (a primeira polícia política portuguesa), que tinha como missão a vigilância política da oposição. Mas não evitará o assassinato do seu líder, à segunda tentativa, na Estação do Rossio. Após as longas e dramáticas cerimónias fúnebres que se seguiram (no que seria o primeiro passo para a construção do mito), o regime, que albergava inúmeras e inconciliáveis agendas políticas, começou rapidamente a desagregar-se, órfão do seu elemento de coesão.
“Metade príncipe, metade condottiere, seduziu, passou como um relâmpago e não deixou vestígios, porque a força que um momento o ergueu até ao alto, se não era fictícia, desapareceu ao primeiro sopro. Os monárquicos só podem desejar a Monarquia – e ele teve a existência que têm sempre os homens que procuram conciliar forças adversas. Duram um momento. Desaparecem num momento”, sintetizaria o escritor Raúl Brandão, no terceiro volume das suas Memórias, intitulado “Vale de Josafat”, publicado em 1933.
A ordem encarnada e protagonizada por Sidónio esfumou-se com o líder dezembrista e rapidamente pairou o espectro da guerra civil, com a proliferação de “juntas militares” por diversas cidades do país. No Porto, os monárquicos, desvinculados do compromisso de lealdade para com o regime, após a morte de Sidónio, proclamam a “Monarquia do Norte”, dividindo o país e reabrindo a “questão do regime”. Em Lisboa, será desarticulada uma tentativa restauracionista, na célebre “Escalada de Monsanto”. O mesmo fim, teriam os monárquicos a Norte, em Fevereiro de 1919, face à mobilização dos republicanos nas cidades, nomeadamente os democráticos, que regressam ao poder. Reposta a Constituição de 1911 (que será revista em 1919, sendo atribuída ao Presidente da República o poder de dissolução), os republicanos voltavam a ser senhores do país, numa “nova República velha”, mas já não havia como regressar ao passado.
Os líderes “históricos” da “República Velha” desaparecem quase todos de cena (Afonso Costa não regressa do exílio, enquanto António José de Almeida e Brito Camacho abandonam as hostes evolucionistas e unionistas, com os dois movimentos a fundirem-se) e o Partido Democrático sofre várias cisões, assistindo-se à emergência de pequenas formações políticas fortemente marcados pela ideologia. Tudo contribui para uma crescente fragmentação do sistema partidário. O Partido Democrático irá, mesmo assim, sobreviver como partido dominante, até ao golpe militar de 28 de Maio de 1926.
O sidonismo foi uma consequência da Grande Guerra, que aprofundou as deficiências dos regimes políticos liberais, sustentados por partidos políticos oligárquicos, eleitos por sufrágio restrito. As profundas clivagens sociais decorrentes do conflito, reforçaram as contradições da sociedade portuguesa, tornando o país ingovernável para a tradicional estrutura política nacional. É a isto que Sidónio Pais procura responder, institucionalizando uma ditadura presidencialista e plebiscitária, autoritária, conservadora e com traços inovadores, que anteciparia algumas das características das modernas ditaduras do pós-guerra. Sidónio não teria a arte de equilibrar todas as correntes e tendências que convergiram para o sidonismo, como mais tarde o conseguiria Oliveira Salazar (que contará com o apoio de alguns antigos sidonistas), que não ficou indiferente aos erros da “República Nova”.
Da experiência dezembrista sairá reforçado o exército, elemento central da encenação de poder com Sidónio Pais. Apesar do desastre militar na frente europeia da Grande Guerra, simbolizada na derrota de La Lys, sairá do conflito e da “República Nova” com peso político reforçado, ainda que dividido internamente. Nos governos que se vão seguir, será um factor de pressão constante, promovendo inúmeros pronunciamentos militares, até derrubar definitivamente o regime liberal republicano.
Amanhã: Portugal na Grande Guerra: memória do passado desafios do futuro. Por Nuno Severiano Teixeira