E quem avalia os avaliadores?
É preciso criar uma comissão independente, reconhecida pela comunidade científica, que avalie as reclamações efectuadas, caso os seus argumentos sejam indevidamente rejeitados na audiência prévia.
Quase despercebida, valerá a pena voltar a incidir nesta questão: estarão os processos de avaliação da FCT piores do que há dez anos? Todos os indicadores disponíveis parecem indicar que não. Então, por que tanto se queixa a comunidade científica nacional, que até então, não realizava grandes manifestações públicas?
Vamos por partes: a Associação Nacional dos Investigadores em Ciência e Tecnologia (ANICT) defende que os processos de avaliação são fundamentais em sistemas onde se pretende reforçar o empenho, a eficiência e a qualidade no trabalho. Para um processo de avaliação correr o melhor possível, é necessário um correcto planeamento prévio e uma execução transparente. Como já afirmamos publicamente por diversas vezes, a execução da avaliação quer de bolsas, quer de contratos, quer agora dos centros, não tem seguido os melhores padrões de transparência. Mas será isso razão suficiente para se pedir o cancelamento dos processos avaliativos? Aparentemente, existem diversos sectores da comunidade científica que assim o defendem. Em todas estas circunstâncias, a actual direcção da ANICT optou por tomar uma posição mais moderada, defendendo não o cancelamento, mas (1) o apuramento de responsabilidades, (2) a resolução dos casos críticos onde se detectaram falhas graves da avaliação e (3) a apresentação de sugestões para melhorias futuras.
É compreensível que uma parte da comunidade científica que vê as suas expectativas frustradas reclame por uma intervenção no processo. De facto, se houve falhas graves, como podemos aceitar que o processo continue? A resposta a esta questão está na génese dos processos avaliativos de larga escala: por muito que haja uma planificação rigorosa e que se tente executar o processo de uma forma rigorosa, irão sempre ocorrer erros. Uns mais graves, outros menos, mas os erros na avaliação estarão sempre presentes. E esta é uma realidade que temos que encarar. No entanto, sendo a avaliação um pilar fundamental para o desenvolvimento da ciência de qualidade, não nos devemos resignar a esta inquestionável verdade. Assim, valerá a pena pensar como podemos mitigar estes problemas.
A lei portuguesa já contempla um mecanismo para resolver estes conflitos. Estamos a falar da audiência prévia. No entanto, é exactamente aqui que se encontra o cerne da questão: se um avaliador comete um erro, que teima em não reconhecer durante a audiência prévia, o processo de avaliação perde a sua legitimidade. E isto é algo que, infelizmente, tem vindo a acontecer sucessivas vezes… Assim, na visão da direcção da ANICT, a questão que urge resolução urgente é: mas afinal, quem é que avalia os avaliadores?
Para o leitor que não está familiarizado com os processos de avaliação científica, será importante dizer que, tipicamente, são avaliadas duas componentes muito distintas: a ideia de investigação e o currículo do investigador (ou da equipa/centro de investigação). Ora, avaliar uma ideia é, por si só, controverso e altamente subjectivo. Estamos, verdadeiramente, a falar de opiniões. São opiniões fundamentadas, mas não deixam de ser opiniões e, frequentemente, recebemos ao mesmo tempo um grande elogio e uma enorme crítica. Não há muito que se possa fazer em relação a isto: opiniões são opiniões.
Ora, a questão muda de figura quando se fala do currículo das pessoas ou de centros de investigação. Embora também possam haver opiniões diferentes, quando se define uma grelha de avaliação, deverão ser seguidos os princípios aí definidos. E nesse contexto, bem definido por lei, a avaliação tem de ser objectiva. É neste campo onde não podem surgir dúvidas que, lamentavelmente, acontecem recorrentemente. Com tantas vozes críticas na comunidade científica portuguesa, é curioso não termos ouvido grandes propostas para melhorar, definitivamente, estes processos. Mais do que criticar o que está mal, é importante apresentar propostas para melhorar o sistema.
Voltamos então aos avaliadores: como resolver situações de conflito em que o avaliador não reconhece um erro que é facilmente e inequivocamente demonstrável? A solução parece-nos óbvia: é preciso criar uma comissão independente, reconhecida pela comunidade científica, que avalie as reclamações efectuadas, após os seus argumentos serem indevidamente rejeitados na audiência prévia. Esta comissão deverá estar completamente fora da esfera de influência tanto da FCT como dos centros e deverá ser aceite por ambos como mediadora neste processo. Deverá também ter competências para corrigir uma avaliação mal feita, deverá estar publicamente identificada e todas as suas decisões devem ser públicas. Poderá ser constituída por técnicos nacionais, de modo a permitir uma rápida resolução das falhas nas avaliações de teor objectivo, que são facilmente identificáveis, assim como erros factuais cometidos pelo painel de avaliação.
Então o que se terá passado com a avaliação dos centros de investigação? Ocorreram erros na avaliação? Ou as aparentes discrepâncias das avaliações anteriores são apenas o resultado da mudança de paradigma da avaliação? Em particular, o grande peso dado ao plano estratégico da unidade para o futuro (uma componente necessariamente subjectiva da avaliação) poderá ter tido impacto negativo na avaliação de diversos centros de excelência. No entanto, vale a pena a FCT questionar se será estrategicamente favorável retirar o financiamento a centros que até à data demonstraram claramente o seu valor.
Neste momento em que estão a decorrer as audiências prévias das avaliações aos centros e as reclamações formais das avaliações às bolsas e ao concurso Investigador FCT 2013, a FCT terá de rapidamente identificar e ter a coragem de assumir a existência de erros factuais nos processos e encontrar estratégias de consenso com a comunidade científica para analisar estas situações. Devemos, no entanto, salvaguardar que, como grandes apologistas da avaliação e das suas consequências, não podemos enquadrar esta opinião no movimento que protesta contra o eventual encerramento de unidades de investigação. Do ponto de vista dos jovens investigadores, ficou claro, ao longo dos últimos cinco anos, que existem centros de investigação com visão e estratégia para o futuro e outros que não; centros que valorizaram e incentivaram o desenvolvimento de novas linhas de investigação e outros que subjugaram potenciais novos líderes científicos à mediocridade do status quo. Não era de esperar que, eventualmente, nos encontrássemos nesta situação?
E já que falamos em avaliação, não podemos deixar passar despercebida uma recente mudança importante introduzida pela FCT: finalmente, após vários anos de diálogo, a FCT passa a implementar uma simples regra a favor da transparência e da imparcialidade dos processos avaliativos, que qualquer português seguramente compreenderá, isto é, dos futuros painéis de avaliação de bolsas, onde não podem constar membros que estão associados a candidaturas a esse painel. Parabéns FCT! Falta agora o ministro da Educação e Ciência ter a mesma coragem e impedir que em concursos para recrutamento de professores universitários estejam membros do júri com claros conflitos de interesse com alguns candidatos a esse concurso.
Presidente da Associação Nacional dos Investigadores em Ciência e Tecnologia (anict@fe.up.pt)