“Não são fotografias. Então fotografias no século XVIII?”
O conservador da Fundação Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro, em Águeda, sustenta que as gravuras expostas são de Rembrandt, apesar de vários especialistas desmentirem. Vieira Duque restaurou figuras da Última Ceia de Cristo , do Santuário da Nossa Senhora das Preces, em Oliveira do Hospital, num trabalho classificado como "um atentado" por académicos.
A exposição recente de 282 gravuras de Rembrandt, cuja autenticidade é rejeitada por especialistas ouvidos pelo PÚBLICO, fez este domingo encher o museu que até estaria fechado noutra altura.
O conservador Miguel Vieira Duque resolveu abrir o museu para receber jornalistas, mas depois surgiram visitantes. Ali, o responsável faz um pouco de tudo. Fala com os visitantes, vende canetas, livros, bilhetes a três euros, outras recordações alusivas à colecção e até indica onde é a cafetaria.
Desde 18 de Maio que 14 gravuras pontuam o envidraçado de uma sala soalheira que faz as vezes de loja, num local onde antes se erguiam os claustros da casa com um jardim e um lago.
“São Rembrandt. São gravuras que estarão compreendidas entre o século XVII e o século XIX. Isto é um isco para que as academias e estudiosos possam abraçar este projecto connosco”, diz o conservador. Admite, porém, que não há qualquer estudo que confirme a autenticidade das gravuras. “É isso que vamos tentar agora. Mas não são fotografias. Então fotografias no século XVIII?”, questiona.
Vieira Duque, que ali trabalha desde 2011 tendo antes trabalhado em “projectos soltos” que não nomeia, lamenta que até agora “toda a colecção de Dionísio Pinheiro tenha sido alvo de pouco interesse”. Quando ali chegou, diz, ficou surpreendido “pelo estado de conservação e de depósito em que estavam”.
Entre as 14 polémicas gravuras estão, para além do retrato do próprio pintor, imagens como A pequena noiva judia e a Mãe de Rembrandt. Vieira Duque salienta que já as “descobriu” na caixa-forte do museu há dois anos. Só agora as expõe porque até então desenvolveu “um intenso estudo que o fez mergulhar nos livros” para melhor conhecer o gravador holandês.
A fundação recebe ajuda financeira da Câmara de Águeda, como indica o seu site. O presidente da autarquia, Gil Nadais, admite que apenas falou algumas vezes com Vieira Duque, mas do que conhece sobre este, a sua opinião é "abonatória".
"Sempre encontrei da parte dele uma grande abertura para colaborar e trabalhar", assevera. Sobre a veracidade das gravuras que estão nas instalações da fundação, Gil Nadais disse desconhecer, por completo, a existência de quaisquer suspeitas em torno das mesmas, na certeza de que, segundo acrescentou, os responsáveis da autarquia ainda não tiveram acesso à totalidade do espólio.
"História de Arte não é uma ciência exacta"
Face a críticas sobre a autenticidade das gravuras, Vieira Duque, de 45 anos, que adianta ter concluído um curso superior de conservação e restauro “no Instituto de Milão, em Itália, em 1991”, sublinha não ter dúvidas de que são daquele gravador. Mas logo depois detém-se noutra conclusão.
“A História de Arte não é uma ciência exacta. Há anos que dezenas de obras estão a ser estudadas para se dizer se são ou não de Rembrandt. Não se sabe se são da oficina de Rembrandt se de discípulos dele”, aponta o conservador que diz dar aulas na Universidade Sénior de Coimbra.
Aliás, foi o responsável em Oliveira do Hospital, distrito de Coimbra, pelo restauro de 13 figuras da Última Ceia de Cristo. O trabalho foi classificado como “um atentado” por especialistas da área, mas Vieira Duque garante que o “episcopado gostou muito”.
O conservador que já foi, por isso, longamente criticado pela por outros especialistas em conservação e restauro, garante estar a tirar um mestrado na Universidade Lusófona, mas a direcção da mesma já o desmentiu. “Vou entregar a dissertação”, aponta. Além de já ter vendido “cachorros quentes nas festas dos santos populares em Lisboa”, nada mais diz sobre o passado profissional.
Sabe-se que foi declarado contumaz num processo judicial no Porto por alegado crime de emissão de cheques sem provisão, mas perante isso aponta apenas “que todos têm um passado”. “Eu também e tenho um presente e terei de certeza um futuro”, diz.
Com Maria José Santana