Glauber Rocha e o 25 de Abril

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A presença do cineasta brasileiro Glauber Rocha (1939-1981) é, para além do registo histórico daquele “dia inicial inteiro e limpo” de que nos fala Sophia, um dos momentos mais marcantes de As Armas e o Povo (1975), o documentário realizado por um colectivo dos Trabalhadores da Actividade Cinematográfica entre o 25 de Abril e o 1 de Maio de 1974. Resgatado dos arquivos da Cinemateca nestes dias em que estivemos a recordar os 40 anos da Revolução dos Cravos, a exibição do filme, na semana passada, no Rivoli – festejado regresso do cinema à sala principal do teatro municipal portuense –, proporcionou um emotivo encontro com um dos produtores-realizadores da obra, António da Cunha Telles.

Ouvimo-lo contar estórias dessa aventura (in)esperada dos cineastas, que então já desacreditavam do Cinema Novo Português, de puderem sair à rua e registar, livremente, a febre desses dias novos. Mas mais extraordinário, na (re)visão do filme, foi descobrir a energia interpeladora de Glauber Rocha – que já então tinha assinado obras incontornáveis do Cinema Novo Brasileiro, como Deus e o Diabo na Terra do Sol (1963) e Terra em Transe (1967) –, a contornar o fluxo das manifestações e ir questionar sofregamente as pessoas sobre como elas estavam a viver a Revolução, e o futuro que esperavam dela.

Foi também esta presença “estrangeira” que impressionou Luísa Sequeira, jovem jornalista e realizadora – também convidada a falar de As Armas e o Povo no Rivoli – que quando viu o documentário pela primeira vez, há quatro anos, decidiu investigar como o realizador brasileiro tinha aparecido em plena Revolução – Cunha Telles explicaria, no Rivoli, que ele se encontrava na Europa aquando do 25 de Abril, dirigiu-se logo para Lisboa e apareceu-lhe no meio de uma reunião...

Luísa Sequeira, programadora do Shortcutz Porto, está a ultimar uma curta documental sobre a “aparição” de Glauber em As Armas e o Povo. Já entrevistou António Escudeiro (o seu operador de câmara em 1974), Fernando Matos Silva (um dos membros do Colectivo) e foi fazer as mesmas perguntas do brasileiro aos lisboetas nas recentes comemorações do 25 de Abril e 1 de Maio – “o que mais me impressionou foi ver a falta de esperança que as pessoas agora manifestam”, nota. Paralelamente, foi ao Brasil entrevistar o documentarista Joel Pizzini. Acabou por descobrir que Jom Tob Azulay (autor de O Judeu, 1996) está também às voltas com Glauber, mas, no seu caso, a tentar perceber o que é que ele levou da experiência da revolução portuguesa para o cinema do seu país – que vivia em 1974 sob uma ditadura. Luísa Sequeira, que no seu documentário contará com os desenhos e pinturas do marido, o cineasta brasileiro Eduardo Filipe (aka Sama), espera terminar o filme ainda este ano. Entretanto, uma série de animação para adultos, Motel Sama, também co-assinada com Sama, está a passar no Canal Brasil, além-Atlântico.

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