O Estado social nos 40 anos de Abril
Importa evitar um retrocesso social e uma regressão no desenvolvimento do país.
Sobre estes princípios, se recuarmos um pouco na História, foi a partir da influência quer da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, em que se partiu do princípio de que “todos os homens nascem e crescem iguais, com direitos inalienáveis”, entre os quais o direito à liberdade e o direito à felicidade, quer da Revolução Francesa, que em Portugal se começam a afirmar os primeiros princípios sociais. Contudo, só no final do século XIX e durante a I República é que o Estado passa a ser mais interventivo nas relações entre os cidadãos a fim de tutelar as suas condições materiais de vida e, inclusive, a criar direitos sociais (designadamente em matéria laboral, veja-se por exemplo o Decreto n.º 5616, de 10 de maio de 1919, que veio estabelecer o período normal de trabalho máximo de oito horas diárias para a função pública, as atividades comerciais e industriais, em nome da defesa do princípio da dignidade da pessoa humana, do direito ao repouso e ao lazer e do direito à conciliação da vida profissional com a vida familiar).
Desde 1976, a nossa Constituição consagra um conjunto de relevantes direitos sociais que permitiram que Portugal tenha percorrido um trajeto de mudança progressista em dimensões fundamentais da sociedade, assistindo-se ao longo deste tempo à modernização do país e, num contexto de respeito pelos direitos fundamentais consagrados na lei fundamental, ao propósito de – a par de uma economia geradora de emprego – procurar assegurar um nível de bem-estar às pessoas, assente em razões de justiça e de solidariedade social proporcionada pelo sistema público de Segurança Social.
Daí que promover o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas no quadro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável, assegurar a igualdade de oportunidades, operando as necessárias correções de desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento assim como orientar o desenvolvimento no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões, eliminando progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo, o litoral e o interior, sejam incumbências prioritárias do Estado. Em síntese: cabe ao Estado pugnar por uma estratégia de desenvolvimento sustentável, sendo esta a linha orientadora da nossa Constituição no plano económico e social.
Contudo, vivemos um momento em que o papel do Estado social está a ser fortemente questionado. Disso são exemplo as atuais propostas de cortes nas áreas sociais do Estado, que visam implementar uma política de concentração de serviços, em especial nos serviços que integram o Serviço Nacional de Saúde e dos estabelecimentos de ensino e de concentração e redução de recursos humanos (mediante um vasto programa de rescisões por mútuo acordo nestas áreas). Globalmente, estas medidas agravam a austeridade já imposta e têm por base reduzir a dimensão do Estado social – a maior conquista das democracias europeias, que permitiu atingir patamares de igualdade e de justiça social potenciadores da qualidade de vida das pessoas – comprometendo não só o progresso já alcançado em áreas como a saúde e a educação como o próprio desenvolvimento socioeconómico do país.
Ao longo destas quatro décadas, os portugueses ambicionaram uma melhor qualidade de vida; mas esta trajetória de austeridade dilatada, entendida como fim em si mesma e conducente a uma política de baixa salarial, com o consequente empobrecimento de uma grande parte dos portugueses, põe em causa a efetivação do conjunto das tarefas fundamentais do Estado tal como estão definidas na Constituição da República Portuguesa. E, como enfatiza a nossa Constituição, se são tarefas fundamentais do Estado promover o bem-estar e a qualidade de vida dos portugueses, bem como efetivar os direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a modernização das estruturas económicas e sociais, volvidos 40 anos de Abril, importa prosseguir este intento, evitando um retrocesso social e uma regressão no desenvolvimento do país, propondo um novo rumo feito de medidas que sejam verdadeiramente progressistas no plano social e económico e corrijam as fortes assimetrias sociais e regionais.
Professora universitária e investigadora