Co-adopção: “ser moderado” bem que podia ser crime

Não se pede moderação quando ela é inútil, venenosa, complacente, elitista e paternalista

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Henry Romero/Reuters

No mesmo dia em que a legislação sobre a co-adopção foi a votos na especialidade, Paulo Côrte-Real (PCR), presidente da ILGA, escreveu ao Público para explicar como toda esta questão "é simples". A julgar pelo resultado da votação - triste e infeliz resultado este, que mostra o quão tacanho este país consegue ser - a realidade parece discordar de PCR.

Porém, a preocupação do texto parece ser com extremismos. Note-se o plural. Não há apenas, ao que parece, o extremismo da homofobia, mas também um suposto outro. Esse outro extremismo, arrisco a tentar adivinhar, é aquele que acha que a simplicidade que PCR apresenta no seu texto não passa de retórica - retórica da "moderação", retórica de "no meio é que está a virtude" (que meio é este?; será o mesmo que nos dá o PSD e o PS, ambos oh-tão-eficientes a erodir os nossos direitos? ...acho que passo bem sem essa moderação!).

Esse outro extremismo - e que extremismo esse, o de achar que os direitos humanos não se devem reconhecer às prestações, mas sim por inteiro! - é, na verdade, aquele que pretende lembrar que não há quantidade de branqueamento nem de expressões com significado dúbio que chegue para fazer acreditar que a co-adopção é uma questão "pacificada na Europa". Porque não é. Antes pelo contrário: esta coisa da co-adopção é uma aberração legalista que Portugal inventou. Em todos os outros países em que o casamento entre pessoas do mesmo sexo se permitiu, os direitos conexos ficaram validados também. Excepto - adivinharam bem - em Portugal. Estranha definição de simplicidade, não é?

A ala da "moderação" prefere que esqueçamos estas inconvenientes verdades, para que se privilegie um discurso submisso, conciliatório, que mendiga direitos com a atitude de quem está a pedir um favor do tamanho do mundo. Ao passo que outras partes do mundo estão a ver surgir decisões judiciais que quebram com a parentalidade-só-a-dois, aqui é suposto acharmos normal que se legisle o não-reconhecimento de direitos a algumas pessoas casadas, ao mesmo tempo que se dão esses direitos a outras pessoas casadas.

Diz esta ala "da moderação" que a sociedade ainda não está pronta para mudanças tao grandes, que é preciso ir com calma, conquistar as coisas aos poucos; que se abrirmos "o jogo" com demasiada intensidade, assustamos as pessoas. Que pedir moderação nos permite ir avançando, aos poucos. Quererá isso dizer que a igualdade plena já não é simples, e só esta suposta igualdade atrofiada o é?

Nota-se, não é? O dia 14 de Março de 2014 foi um grande avanço, não foi? ...Também me pareceu que não.

Mais valia que se ilegalizasse esta "moderação", se vamos por aí. Porque esta ala moderada faz parte do problema: faz parte do grupo de pessoas que acha bem apagar a existência de um sem-número de casos reais, de vidas reais, para conservar (com calma!, devagarinho!) um punhado de direitos; que acha bem lutar por uns poucos, espezinhando o resto - desde que os seus ideais saiam servidos!

Não se pedem direitos, exige-se o seu reconhecimento. Não se apagam uns interesses para lutar por outros. Não se pede moderação quando ela é inútil, venenosa, complacente, elitista e paternalista.

Estamos aqui pelo direito a pluralidade sem árbitros de moral e bons costumes - sem uma "moderação" que, se fosse lexicalmente honesta, se chamaria "acomodação".

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