O acordo do desacordo
Efectivamente, os objectivos que presidiam ao Acordo – criar uma ortografia unificada do português a ser usada por todos os oito países da língua oficial portuguesa – estão frustrados.
Percebi que a discordância de alguns leitores era perpassada por um tom acre, pois nenhum outro assunto levara leitores a incriminar este jornal de práticas “censórias”. Faziam esta queixa alegando a não publicação de artigos favoráveis ao AO ou a pratica de cortes subtis em pequenos textos publicados na secção de Cartas à Directora. Ao contrário, esses leitores constatam que o PÚBLICO dá repetido abrigo a vários textos que perfilam opiniões contra a aplicação do Acordo Ortográfico.
Desgostoso por este procedimento, um Leitor escreve: “O PÚBLICO sempre se declarou oponente ao AO, mas se não quer o contraditório, afirme expressamente que não aceita nas suas páginas posições contrárias e retire do seu Livro de Estilo, princípios como este em que preconiza cultivar o “espírito de independência, a irreverência e o desassombro polémico”.
Ora, como é fácil entender, não me compete na minha qualidade de provedor tomar qualquer partido contra ou a favor do dito Acordo Ortográfico, aprovado em 16 de Dezembro de 1990 e já com dois protocolos a modificar o acordo inicial, respectivamente em 1998 e em 2004. Tenho de avaliar, isso sim, se relativamente ao assunto este jornal segue ou não o princípio que perfila no seu Estatuto Editorial: “O PÚBLICO aposta numa informação diversificada, abrangendo os mais variados campos de actividade e correspondendo às motivações e interesses de um público plural”.
A este respeito, verifico que, de facto, desde o início o PÚBLICO assumiu não adoptar o AO. Esta posição é bem clara no Editorial de responsabilidade da Direcção, publicado na edição de 30 de Dezembro de 2009, sob o título “Por que rejeitamos o Acordo”. De forma explícita esse texto diz: “Nós, no PÚBLICO, sobretudo não compreendemos para que serve (o Acordo) e, incapazes de entender a sua necessidade e as vantagens de uma norma global para o português, decidimos não o adoptar.” Contudo, nesse mesmo editorial, o PÚBLICO dá completa autonomia aos seus colunistas, como aliás vem acontecendo, na escolha da ortografia, anterior ou plasmada no AO. A mim próprio, aquando da designação para provedor, a Direcção deixou livre essa tomada de decisão. Resolvi seguir a opção praticada pela redacção do jornal. Não obstante, como provedor do telespectador da RTP, ter cumprido com a escrita segundo o AO uma vez que a RTP decidira cumprir o Acordo.
Conforme já em crónica anterior declarei, eu defendo que um jornal perante determinadas questões tem todo o direito de tomar livremente a posição que entende e torná-la pública junto dos seus leitores e público em geral. Estamos, portanto, num caso destes. Tenho notado que a grande maioria dos seus colaboradores fixos seguem essa opção e não raras vezes vêm a público nos seus artigos manifestar a sua oposição, pelos argumentos que invocam, ao dito Acordo. Já anteriormente afirmei que não considero minha atribuição intrometer-me na livre opinião dos colaboradores. Contudo, também defendo que, sendo este um debate em aberto, o PÚBLICO na defesa do pluralismo de opinião que prossegue, sem renunciar às posições legítimas que tomou, não deve deixar de acolher nas suas colunas as posições daqueles que, com argumentos sólidos, trazem abordagens a favor do Acordo.
Infelizmente, mais uma vez, como em tantas outras, a confirmar a débil opinião pública que tem este país, estamos perante uma questão que, com efeito, não foi objecto de um autêntico debate público. Aliás, esta polémica andava adormecida. Voltou à ribalta em virtude da petição, com 6212 assinaturas, apresentada à Assembleia da República para discutir a anulação do AO ou a suspensão da sua aplicação. E pela tomada de posição de alguns deputados que queriam a análise do assunto no Parlamento. Mas, conforme noticiava o PÚBLICO de ontem, a polémica discussão ficou resumida à recomendação de o Governo criar um grupo de trabalho para fazer o acompanhamento do novo Acordo Ortográfico. Portanto, por ora, nem revogação, nem suspensão. Provavelmente, a ver vamos, uma revisão da sua aplicação. Neste estado de coisas, a questão tem sido, sobretudo, polemizada entre cientistas e técnicos deste campo da língua portuguesa. Não possuo conhecimento para, com fundamento, me situar num ou noutro lado. Merecem-me o maior respeito pela competência profissional e científica que lhes reconheço aqueles que defendem posições favoráveis ou de desacordo. Obviamente, estamos defronte a uma questão que, sobretudo, quando polemizada, recobre argumentos de ordem política, económica, jurídica, social. Efectivamente, os objectivos que presidiam ao Acordo – criar uma ortografia unificada do português a ser usada por todos os oito países da língua oficial portuguesa – estão frustrados. Talvez porque a língua e os povos são fenómenos vivos de mais para se sujeitarem a normas universais.
Eu, por enquanto, continuo a fazer dos livros da minha mesa-de-cabeceira essa preciosa “Antologia da Poesia Portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI”, selecção organizada pelos autores Jorge Reis Sá e Rui Lage. Uma vez por outra regalo-me a ler um poema em português desde a grafia arcaica de uma “cantiga de amor” de Gil Sanches (1236), à ortografia de o “Pranto de Maria Parda”, da autoria desse sempre actual Gil Vicente (1522), ou aos “Poemas de um livro destruído”, dessa grande poetisa que continua viva na minha memória, Sophia de Mello Breyner (1919-2004).
A VITALIDADE DA LÍNGUA PORTUGUESA
Os 250 milhões de falantes do português representam cerca de 3,7% da população mundial e detêm aproximadamente 4% da riqueza total. Os oito países de língua oficial portuguesa ocupam uma superfície de 10,8 milhões de quilómetros quadrados, cerca de 7,25% da superfície continental da Terra. A língua portuguesa é a quarta mais falada no mundo, como língua materna. No número de falantes e posição relativa das 10 principais línguas mundiais é sétima, à frente das línguas russa, japonesa ou alemã.
A expansão de qualquer língua é influenciada por factores extra-linguísticos; é consequência não da vontade dos seus falantes, não de políticas isoladas, mas sim do discurso científico que produz, da expressão cultural e artística que cria e, acima de tudo, das relações económicas que veicula.
Do livro Potencial Económico da Língua Portuguesa, estudo coordenado por Luís Reto, Lisboa, Texto Editores, 2012.
Em relação à importância da língua portuguesa, escreveu Vasco Graça Moura, em artigo publicado no PÚBLICO, a 10.08.2011: “Há quem reconheça a importância de uma norma-padrão, mas acrescente não ser viável defini-la de modo a distinguir o que é ‘correcto’ do que é ‘incorrecto’, o que vem a redundar num álibi para o vale tudo.”
DO CORREIO DO LEITOR
Um Leitor escreveu-me a agradecer o contacto estabelecido com o jornalista visado na queixa ou discordância que manifestara a propósito de um texto de opinião. No entanto – diz – "devo chamar à sua atenção (…) que, em futuras ocasiões, não passe o meu email pessoal a quem se dirige as queixas apresentadas ao provedor. Ao fazê-lo, coloca-nos numa posição sensível. Se nos dirigimos a si, esperamos uma resposta do visado pela sua resposta no papel de provedor."
Comentário do provedor: Confesso que a minha intenção era a de fomentar um diálogo directo entre si e o jornalista, exactamente, por se tratar de um artigo de opinião.