Não é de agora, mas a consagração de Golpada Americana nas nomeações para os Óscares deste ano, na sequência do sucesso de Argo, de Ben Affleck, na edição do ano passado, confirma-o. Os anos 1970 tornaram-se no “novo classicismo” do cinema americano, endeusado por uma geração de novos autores que procuram recuperar a reinvenção que Francis Ford Coppola, George Lucas e os seus conterrâneos, dispostos a cortar com o passado e a olhar para o futuro, trouxeram a uma indústria enferrujada entre 1967 e 1975. Que, hoje, David O. Russell seja reconhecido pelos Óscares como o “ponta de lança” dos aspirantes a autores revelados no circuito dos festivais e na geração “indie” de Sundance durante a década de 1990 é algo de profundamente irónico: é o sinal de que esse revivalismo passa completamente ao lado do que fazia a importância dos filmes originais, de que se está a confundir apropriação e imitação.
Golpada Americana, história inspirada num facto real (sobre dois vigaristas de pouca monta chantageados por um agente ambicioso do FBI para colaborarem numa operação de logro para incriminar políticos corruptos), parece no papel um Scorsese de segunda. Por trás da fachada, esconde a vontade de ser uma “comédia do recasamento” à antiga americana como Peter Bogdanovich procurava fazer (porque o centro do filme é uma mulher, gloriosa Amy Adams, disputada por dois homens). Mas tanto quer ser um filme “à maneira de”, Scorsese ou Bogdanovich não vem ao caso, que Golpada Americana acaba por ser apenas calculista e fajuto. É David O. Russell a ter mais olhos que barriga, a sobrecarregar uma trama que precisava de leveza e ritmo com uma vontade de fazer um grande statement artístico, a assinar um mastodonte que alardeia constantemente o seu conhecimento da história e o seu domínio da estética da época.
O problema é esse: Russell tanto quer fazer o seventies movie definitivo que não consegue mais do que uma imitação superficial e sem alma. No processo desbarata uma excelente ideia de comédia romântica, uma excelente ideia de heist movie, duas actrizes em estado de graça (Adams e Jennifer Lawrence), um comediante que se está a revelar um bom actor (Louis C. K.) e dois actores melhores do que muito boa gente quer admitir (Christian Bale e Bradley Cooper). O que é mais irritante é que Russell não é um cineasta idiota - o anterior Guia para um Final Feliz não era nenhuma obra-prima mas era bastante simpático - mas parece que os Óscares de Último Round e Guia para um Final Feliz (já empolado para lá do seu real valor) lhe subiram à cabeça. É pena, noutras mãos este podia ser um belo filme.