Lenços brancos
O Governo e suas aves canoras começaram a ensaiar a canção de que a culpa do que aconteceu em Portugal não foi deles, mas sim da Troika.
Tudo para fazer esquecer a desagradável visita do Parlamento Europeu e sobretudo as sequelas do alargamento da contribuição extraordinária de solidariedade sobre pensionistas logo a partir de mil euros mensais e o aumento em mais um ponto percentual da contribuição para a ADSE de funcionários, militares e pensionistas. As trombetas partidárias não se coibiram mesmo de glorificar um "novo ciclo" para Passos Coelho, incluindo as próximas legislativas, a liderança "eterna" de Portas e até a sua eventual projecção para a Presidência. Gaba-te cesto!
Quando se esmiúça, a realidade é outra.
A "quebra" do desemprego para 15,6% no terceiro trimestre de 2013 não resiste a uma análise por duração média do trabalho semanal feita por Ricardo Pais Mamede. Nos empregos que exigem mais de onze horas semanais houve destruição de 403,2 mil postos de trabalho, enquanto os apregoados 464,8 mil novos postos de trabalho correspondem a empregos de duração semanal inferior a 10 horas semanais. A soma dos desempregados com a dos que trabalham menos de 10 horas semanais atinge, infelizmente, quase um terço da população activa.
A venda de um terço do mercado segurador nacional a uma empresa sem registo válido no sector, ampliando o critério do encaixe sobre os restantes, significa que para obtermos uma redução da dívida em cerca de 0,45%, entregámos a uma empresa pública, controlada por potência estrangeira, uma componente altamente lucrativa do principal operador público do nosso sistema financeiro. Descubram-se outras razões, que não as ideológicas, da sanha de privatizar!
A colocação de 3250 milhões de euros de dívida pública, a um juro de 4,66%, sendo 88% os adquirentes estrangeiros é certamente um indicador de que o mercado tem liquidez, está de volta, acorre às ofertas dos países periféricos e promete melhores resultados futuros, a juros mais baixos, augurando uma saída “limpa” da intervenção externa. Não faltaram loas e louvores. Mas atenção, apenas significa que os investidores não esperam nenhum bail-out e acharam lucrativo investir, por cinco anos, àquele juro. Como um aforrador médio nacional, racional, o faria. Daqui até concluirmos que o futuro é róseo vai uma assinalável diferença. Cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal ao doente.
As exportações cresceram em Novembro, face ao mesmo mês do ano anterior, embora tenham recuado em relação a Outubro. De positivo, regista-se o seu crescimento acumulado de 4,4%, o aumento dos destinos para fora da UE, 28% do total, graças sobretudo á exportação de combustíveis refinados. Crescimento que especialistas consideram estar próximo do limite. Do lado das importações, como se esperava, bastou um pequeno aumento do consumo para que a balança voltasse a desequilibrar-se. Lá se vai a narrativa de Gaspar, sobre o equilíbrio das contas externas. (Incidentalmente, quando se dizia que Gaspar, no Governo, andava à procura de emprego internacional, eu não acreditava).
Na política, o Governo não saiu beneficiado com a visita da comissão do PE. Apenas obteve declarações de esperança sobre uma saída positiva, mas cautelosa, da intervenção externa. Ficou bem claro que teria sido melhor não ser mais "troikista" que a Troika e que a sangria que abateu a economia engordou a dívida para quase 129% do PIB. Estamos cinco pontos à frente da previsão de 123,6%, da Troika. Teremos porventura capacidade de a controlar quando estimamos crescer a décimas? E quanto ao défice de 4% a que nos obrigámos para 2014? Haverá ainda mais dívida fiscal por cobrar, ou confiamos na bondade da Troika? E para o futuro? Como poderemos nós dar aos mercados a garantia de que vamos crescer mais, se tudo fazemos para crescer menos e nada fizemos para reformar ou anular os factores da nossa crónica anemia, a começar pela famosa reforma do estado?
Como vemos, se há sol no horizonte, há também muitas incertezas. Foram mais importantes os acontecimentos externos (declaração Draghi, retoma forte nos EUA, Japão e mais recente na Zona Euro, liquidez nos mercados) que a nossa acção, quase sempre inconsequente, apesar de esforçada. Com sorte, teremos a Europa a recuperar ao longo deste ano, com mais sorte ainda, poderemos ter lideranças mais fortes, competentes e consequentes ao nível da União. A candidatura de Juncker à presidência da Comissão é um sinal positivo, a rivalizar com a de Schulz. Uma forte Europa fará fortes os estados fracos.
Sabemos que o Governo e suas aves canoras começaram a ensaiar a canção de que a culpa do que aconteceu em Portugal não foi deles, mas sim da Troika. Só Maria Luís destoa, honra lhe seja feita, defende a Troika. Sem ela, nunca teria ido a ministra. Barroso apressou-se, uma vez mais, a sacudir a água do capote: não culpem a Troika, culpem os Governos a quem cabia sempre a decisão final sobre o programa. Escamoteando a realidade de que não se decide livremente sem liberdade de decisão. Infelizmente, já estamos habituados, acenaremos a Barroso com lenços brancos na despedida.
Deputado do PS ao Parlamento Europeu