A estratégia do eBay para ultrapassar a Amazon

A estratégia do eBay para ultrapassar a Amazon A Amazon liderou a mudança de paradigma e tornou-se sinónimo de compras online. Mas o eBay quer fazer-lhe frente — e quer deixar de ser sinónimo de leilões na Internet.

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Um BMW azul atravessa o parque de estacionamento a céu aberto e pára em frente a uma adormecida loja de roupa Macy’s. A porta do lado do passageiro abre-se e sai John Donahoe, director executivo do eBay, que se dirige à loja.

Estávamos no início do ano passado e o exterior do centro comercial Westfield Valley Fair, perto de San Jose, parecia uma cidade-fantasma. Mas Donahoe achava que poderia mudar isso. Ao andar de loja em loja — uma GNC [de venda de suplementos alimentares] quase vazia, uma sossegada Foot Locker [com produtos de desporto] —, aponta para o pouco que mudou nas lojas de comércio de retalho convencional nos últimos 30, 40 anos. E o que terá de mudar brevemente para que essas lojas possam competir com a Amazon e o Walmart.

Sentado numa pastelaria do primeiro piso, Donahoe discorre sobre os seus temas habituais: como a tecnologia alterou a escala e os automatismos; como os grandes retalhistas esmagaram o pequeno comércio; a forma como as nossas experiências de compras se tornaram cada vez menos dependentes da interacção humana. E estas alterações na paisagem comercial, diz, tendem a ser “apresentadas em termos de soma nula: grandes retalhistas versus os pequeninos. Local versus global. As importações chinesas vão acabar connosco. O online vai fazer implodir o offline”.

Tem havido muita conversa sobre a Amazon estar a arruinar o pequeno comércio — mais recentemente, e inacreditavelmente, propondo a utilização de drones para entrega de compras. Há já algum tempo, os retalhistas tradicionais vivem aterrorizados pelas várias formas como a Amazon pode vir a acabar com eles. Se estamos à procura de um produto que não precisa de ser vestido ou experimentado, é difícil competir com a rede de análise de compras e distribuição da Amazon. E mesmo que seja preciso experimentar alguma coisa, a Amazon já incluiu um conveniente scanner de código de barras na sua aplicação para iPhone para podermos comparar preços se estivermos numa loja e assim encomendar aquilo que queremos para que seja entregue em nossa casa com apenas alguns cliques. (Os retalhistas chamam a este acto de analisar os produtos na loja para depois os encomendar online a outro vendedor “showrooming”.)

A Amazon tornou-se de tal forma importante que, para muita gente, é a loja onde se vai por defeito fazer compras online. E, no entanto, o comércio online apenas significa 6% de todo o comércio nos Estados Unidos. Mais de 90% de tudo aquilo de que precisamos ainda compramos de forma convencional, frequentemente entregando dinheiro ou passando um cartão de crédito em troca dos produtos. Mas a proliferação de smartphones e tablets tem vindo a aumentar o uso da tecnologia nessas compras, e é nessa convergência que o eBay vê uma oportunidade. Como diz Donahoe: “Olhamos para isso como um ‘e’: não é online ‘ou’ offline, é online ‘e’ offline.”

Muitas pessoas olham para o eBay como uma leiloeira online, a maior venda de garagem do mundo, o que na verdade tem sido durante quase toda a sua existência. Mas desde que Donahoe a dirige (2008) que tem lentamente levado a empresa para lá dos leilões, desenvolvendo parcerias tecnológicas com grandes retalhistas como a Home Depot, Macy’s, Toys‘R’Us e Target, e expandindo o mercado do eBay de forma a incluir produtos fiáveis, que possam ser devolvidos e a preços fixos. (Actualmente, os leilões representam apenas 30% das compras feitas pelo eBay; o site vende 13 mil carros por semana só através da aplicação móvel, muitos a preços fixos.)

Com Donahoe, o eBay fez 34 aquisições em cinco anos, a maioria para dar à empresa e aos seus parceiros retalhistas uma tecnologia mais avançada. O eBay pode ajudar com a tecnologia por trás dos websites a criar montras interactivas em locais físicos, ajudar no processo de pagamento electrónico ou a controlar o inventário em tempo real. (Ao comprar ao eBay alguma da tecnologia digital e tecnologia de operações, as empresas ficam libertas para aquilo que supostamente fazem melhor: fabricar e comercializar os seus próprios produtos.)

A carteira digital

Recentemente, o eBay introduziu em algumas cidades americanas o eBayNow, uma aplicação que permite encomendar produtos de vendedores seleccionados e tê-los entregues em casa no prazo de uma hora, pagando uma taxa de cinco dólares (3,6 euros). A empresa está a apostar na ideia de que a sua tecnologia interactiva pode transformar as compras numa espécie de entretenimento, ou pelo menos torná-las mais do que meros cálculos de preços+custos de transporte. Se o eBay conseguir levar um número suficiente de pessoas a uma loja de desporto para experimentarem um taco de golfe e a comprá-lo lá, em vez de o encomendar na Amazon, então há aí um modelo de negócio.

Um dos elementos fundamentais dos planos do eBay para o futuro é a “carteira digital”. Significa poder fazer pagamentos através do telefone, mas é muito mais do que isso. É mais um conceito do que um produto. O eBay comprou o PayPal em 2002, depois de este se ter afirmado como uma forma segura de transferir dinheiro entre pessoas que não se conhecem (e assim facilitando as compras no eBay). Nos últimos anos, o eBay tem vindo a considerar que os pagamentos digitais através dos aparelhos móveis têm o potencial para mudar tudo — para se tornarem, como diz David Marcus, o presidente do PayPal, no “Money 3.0”.

A actual ligação entre o eBay e o Money 3.0 está no terceiro andar de um edifício baixo da Sexta Avenida, no bairro Flatiron em Manhattan, numa série de espaços a que a empresa chama Commerce Innovation Showcase (Montra de Inovação do Comércio). Um “embaixador da marca” chamado Josh Beyers fez-me uma visita. À medida que avançava de uma sala-modelo para uma loja de brinquedos-modelo ou para um café-modelo, a aplicação móvel do PayPal servia de chave virtual para tudo o que poderíamos querer fazer em sítios daquele género.

Quando Beyers fez check in através da aplicação na loja de brinquedos, por exemplo, conseguiu levantar uma encomenda que tinha feito antes no site do eBay sem sequer precisar de tirar o telemóvel do bolso. No café, a sua sanduíche — que ele encomendara antes pelo telefone, escolhendo todos os ingredientes e até os condimentos — estava à sua espera quando chegou. A app guarda as suas preferências para que possa pedir a mesma coisa mais tarde sem ter de repetir todo o processo. A sua fotografia apareceu no sistema do ponto de vendas do café e o “atendedor” verificou quem ele era e entregou-lhe a sanduíche. Beyers entrou num estádio com um bilhete digital — a StubHub, agência de venda de bilhetes online, foi adquirida pelo eBay há vários anos —, recebeu a comida na sua cadeira e no mesmo dia foram a casa entregar uma camisola de recordação que até estava esgotada na loja do estádio.

Havia uma sensação de fachada em tudo aquilo, mas a aparência de personalização era surpreendente. Quando se compra online — quando se faz qualquer coisa online, como já é suposto sabermos —, estamos a ser seguidos. Os sites sabem quem nós somos, quando lá estamos, como lá vamos parar, em que páginas clicámos, quanto tempo ficámos em cada página e, nalguns casos, onde e por quanto tempo o nosso cursor vagueou enquanto nos decidíamos. As empresas online recolhem toda esta informação e usam-na. Os retalhistas offline — as lojas físicas — não têm esta vantagem. Não sabem quem somos a não ser que usemos o nosso cartão para comprar qualquer coisa, e isso é apenas depois do facto consumado. Não podem seleccionar-nos e fazer-nos uma oferta específica, como fazem os comerciantes online. A tecnologia que está a ser desenvolvida pelo Commerce Innovation Showcase do eBay destina-se a acabar com esse fosso.

O eBay não pode gabar-se de ser o único a pôr em prática estes planos. Entre outros, a Walmart também está a dirigir-se para as vendas online o mais rapidamente possível, de forma a competir com a Amazon — e de um modo muito mais directo. A fama da Walmart no Silicon Valley é a de uma espécie de eficiência da velha escola: trazer grandes remessas de produtos (frequentemente da China) para dentro de uma grande loja na América e depois para as mãos dos seus consumidores, tudo por um preço muito baixo. Todas as semanas, recebe mais de 200 milhões de visitas nas suas lojas. Mas, até há muito pouco tempo, o modo de pesquisa online da Walmart estava a ter problemas em fazer uma coisa tão simples como identificar aquilo que os visitantes queriam quando faziam uma busca por “ganga”. E por isso, há dois anos a empresa abriu o @WalmartLabs, em Silicon Valley, onde agora trabalham 1500 pessoas. Há outras mil espalhadas pelo mundo dedicadas exclusivamente ao comércio electrónico.

Todas as lojas Walmart estão agora com “barreiras virtuais” — ou seja, eles sabem quando os clientes estão na loja graças à aplicação da Walmart para telemóveis que os dirige para aquilo que procuram. Em cerca de 220 das quatro mil localizações, os clientes podem fazer os pagamentos com os telefones, saltando as caixas registadoras. “As pessoas conhecem a Walmart como o maior retalhista do mundo, mas eles vão conhecer-nos como a maior empresa de comércio electrónico em maior crescimento”, diz Neil Ashe, o chefe do comércio electrónico global da Walmart. Claro que isto é comunicação empresarial, mas também reflecte uma verdadeira mudança de estratégia. Ashe tinha já referido que transformar a Walmart num retalhista digital não é apenas um projecto, mas uma parte permanente do seu futuro negócio.

“As pessoas esperam que o Toys‘R’Us funcione como a Amazon”, afirma Christopher Saridakis, que dirige a eBay Enterprise. “Mas não se apercebem de quão difícil isso é”, diz, enquanto se prepara para me mostrar o centro de distribuição de 166 mil metros quadrados num complexo remoto em Walton, no Kentucky. O que ele quer dizer é que a Amazon levou os clientes a esperar facilidades nas compras online — alguns cliques, produtos desejados sempre em stock, entregas grátis em dois dias e devoluções — com as quais os retalhistas tradicionais têm dificuldade em competir.
A eBay Enterprise, que era conhecida como GSI Commerce quando foi comprada em 2011, permite agora ao eBay que os seus maiores parceiros retalhistas consigam responder a expectativas desse género.

"O outro lado do computador"

Saridakis fala das instalações em Walton como “o outro lado do computador”: quando clicamos “comprar” nos sites da Levi’s, da Aéropostale, da Quicksilver, do PBS ou da Major League Baseball, cujos produtos estão todos armazenados em Walton, essa compra torna-se frequentemente uma ligação entre Walton e a nossa porta de casa. Oito quilómetros de passadeira rolante alimentam saídas de tabuleiros que largam produtos embrulhados em caixas próprias num dos extremos das instalações e que depois vão para dentro de embalagens com selos, que caem nas rampas que dão directamente para os camiões UPS que estão no lado oposto. Quase 200 mil produtos provenientes de 600 mil locais possíveis dentro das instalações percorrem o seu caminho através de mãos humanas e máquinas em direcção aos seus respectivos embrulhos, com destino às pessoas que os encomendaram.

A eBay Enterprise também ajuda os retalhistas a repensar e reorganizar a forma como usam as suas lojas convencionais. Cada vez mais os retalhistas encaram as suas lojas como montras e centros de distribuição de pequena escala. Se vivermos em Manhattan e encomendarmos Beanie Babies online no Toys‘R’Us, às vezes pode fazer mais sentido do ponto de vista económico mandar um empregado do Toys‘R’Us local embrulhar e enviar o pedido do que recorrer ao centro de distribuição de Kentucky.

Isto requer a gestão de uma enorme integração tecnológica, mas é também a única forma de competir com a Amazon: usar tudo, desde as lojas convencionais às aplicações móveis, para prestar serviços que garantem que os clientes têm aquilo que querem quando querem. A Walmart está a fazer algumas destas coisas: a construir armazéns de milhões de metros quadrados e usando lojas como centros de distribuição. A empresa está agora a expedir produtos directamente de 35 das suas quatro mil lojas.

Enquanto este processo se destina a movimentar produtos de forma eficiente, o objectivo mais alargado é melhorar e gerir a relação com o cliente. Healey Cypher, o chefe da inovação retalhista do eBay, conta a história do dono da livraria que estava convencido de que o comércio online ia matar o seu negócio. “Eu disse-lhe: ‘Como é que você sabe quando entra alguém na sua loja? Não sabe, a não ser que comprem alguma coisa, e só depois de a comprar. E se você tiver uma plataforma que, pela primeira vez, lhe diga: ‘Esta pessoa está na sua loja, ela gosta destas coisas, compra estas coisas na sua loja online e, com base nas suas compras anteriores, deve apresentar-lhe isto. Não tem de usar a tecnologia, mas nunca tinha tido uma oportunidade destas’.”

O melhor exemplo já real do potencial da carteira digital, de acordo com muitos em Silicon Valley, é Uber, uma plataforma que liga condutores e conduzidos. Introduz-se a informação do cartão de crédito na aplicação do Uber uma vez e, sempre que a queremos usar, a aplicação sabe onde estamos e mostra-nos quantos carros estão próximos e quando é que um irá estar disponível. Fazemos o pedido com um toque no ecrã e um texto diz-nos que um condutor está a caminho. Ele cumprimenta-nos pelo nome, nós dizemos-lhe onde queremos ir e depois, quando chegamos ao destino, não há mais trocas — nem gorjeta, nem recibo, nem assinaturas de nada. A aplicação toma conta de tudo isso. O Uber não teve de mudar nada na natureza dos carros nem na forma como são conduzidos. Apenas descobriu como usar informação e tecnologia para fazer com que aquilo que já existe funcione de forma mais eficiente. (O eBay, através da sua empresa Shutl, começou a tirar partido dos problemas das empresas postais.)

Agora, os serviços podem ter menos atritos e mais personalizações. Imaginemos que tudo funcionaria como o Uber. Steve Yankovich, vice-presidente de inovação e novas explorações do eBay, pede frequentemente às pessoas que façam exactamente isso, de forma a traçar planos para o futuro do eBay. Imaginemos que quando entramos numa loja podemos olhar para o nosso aparelho móvel e ver tudo o que está lá disponível para o nosso tamanho. Em vez de ter na carteira o tipo de cupões “compre nove sanduíches e leve a 10.ª grátis”, suponhamos que todas as 10.ªs sanduíches aparecem grátis sem termos de ser nós a fazer o que quer que seja. O mesmo para a nossa informação de passageiros frequentes e todos os programas de recompensas.

“Não se trata de uma questão de pagamentos”, comenta Jack Dorsey, fundador da Square, um rival do PayPal. “Trata-se de identidade. E trata-se da experiência que um comerciante pode criar, que é na verdade aquilo que constrói a lealdade. Acreditamos que é importante que a tecnologia, os mecanismos de pagamento, não sejam visíveis. Que desapareçam completamente.”

Depois de ajudar a fundar o Twitter em 2006, Dorsey tornou-se chefe executivo da Square em 2009. A sua primeira inovação foi a Square Reader, um pequeno dispositivo que se liga à saída dos auscultadores de um smartphone ou de um tablet e permite a qualquer pessoa, em qualquer lado, fazer um pagamento com cartão de crédito. (O PayPal tem agora um leitor semelhante.)

Em 2011, a Square introduziu aquilo que ficou conhecido como Square Wallet, uma aplicação que se liga a um cartão de crédito (como faz o Uber) e permite aos consumidores pagar aproximando o seu telefone de um scanner ou simplesmente mantendo-o no bolso. Dorsey refere o quanto é cool recebermos o nosso café sem termos de fazer nada, mas também salienta o que isso significa para os comerciantes. “O vendedor tem esta ferramenta interessante que lhe permite reconhecer-me quando eu entro.”

A ideia é que, num futuro não muito distante, guardemos na nossa carteira digital tudo o que agora transportamos na nossa carteira em pele — incluindo a carta de condução, informação sobre o seguro de saúde, tudo. Já nos aconteceu a todos sair à noite e não querer levar a carteira recheada e por isso agarramos apenas no telefone, carta de condução, um cartão de crédito e 20 euros. A carteira digital, se todo o seu potencial for desenvolvido, tornará a carta e o cartão de crédito redundantes, e eventualmente também a nota de 20 euros.

A liderança do PayPal

É difícil prever aquilo que triunfará em qualquer sector do mundo tecnológico, mas o PayPal tem algumas vantagens. Este ano, a Square processou mais de 20 mil milhões de dólares em pagamentos (mais 14,6 mil milhões de euros) — a maior parte através de leitores de cartões —, mas o PayPal tem 137 milhões de utilizadores activos, e milhões deles descarregaram a aplicação do PayPal.

Estar na dianteira tem-lhe permitido criar uma maior variedade de opções de pagamento comparado com outras empresas. Não está simplesmente ligado a um cartão de crédito, mas funciona mais como um banco: com ele podemos fazer pagamentos com qualquer um dos nossos cartões, crédito ou débito, descontando a quantia automaticamente da nossa conta, ou financiando a compra através de uma linha de crédito do próprio PayPal. E, até uma semana depois de termos feito a compra, podemos escolher como a queremos pagar.

Praticamente qualquer um pode criar uma carteira digital. O truque é levar as pessoas a confiar nela para depositarem toda a sua informação financeira em troca de benefícios que possam usar.

Claro que a carteira digital tem um senão — na verdade, vários. O primeiro é que ainda não há procura suficiente. Até Even Hill Ferguson, o gestor de produto do PayPal, afirma: “A carteira digital é o eixo condutor de tudo o que fazemos, mas é interessante porque os consumidores não estão a procurá-la.”

Quem não trabalha em empresas com um interesse financeiro nas carteiras digitais é ainda mais directo. Sucharita Mulpuru, vice-presidente da Forrester Research, especializada em comércio electrónico e comportamento do consumidor, declara: “As carteiras digitais, por enquanto, são uma solução à procura de um problema. Não temos problemas de pagamentos nos Estados Unidos. As pessoas que querem usar dinheiro usam dinheiro por uma razão: preferem fazê-lo ou não querem deixar rasto. Quanto aos cartões de crédito, não têm nenhum grande inconveniente. São rápidos, fiáveis, as nossas redes são boas.”

Mulpuru tem também acompanhado uma start-up chamada Coin, que basicamente é um cartão com banda magnética que pode armazenar qualquer cartão recarregável que se tenha. Isto não obriga a nenhum tipo de alteração no comportamento do consumidor. (O PayPal lançou um cartão, juntamente com a Discover, com o mesmo fim, porque algumas pessoas não estão ainda preparadas para dar o salto para as transacções exclusivamente digitais.)

Os cartões de crédito são realmente muito fáceis. Já fazemos pagamentos com o nosso telefone, mas o que acontece quando ficamos sem bateria ou a rede está em baixo? A rede de cartão de crédito raramente falha e é omnipresente; por enquanto, muito poucos locais são parecidos com alguma coisa do género do Commerce Innovation Showcase.

Outro senão é que a “personalização” imaginada pelos pioneiros da carteira digital não é assim tão personalizada e, sob vários aspectos, o processo favorece mais os vendedores do que os consumidores. Entrar numa loja com uma barreira virtual e receber notificações no nosso telefone sobre quem somos e o que queremos — será que alguém deseja realmente isso? O mesmo se aplica às mensagens de telefone para levar as pessoas às lojas. A falta de procura de coisas deste género sugere que os consumidores não estão assim tão certos. Termos um vendedor que não conhecemos a identificar-nos pela nossa fotografia num sistema informático para depois nos entregar o nosso café com leite não é grande coisa do ponto de vista da interacção pessoal. Sim, pode tratar-nos pelo nome, mas isso não significa que o vamos ficar a conhecer.

Algumas pessoas no PayPal e na Square falam da época, há 50 ou 100 anos, em que se ia a uma loja onde o dono sabia o nosso nome e nós tínhamos uma conta e simplesmente levávamos o que queríamos e acertavam-se contas depois. Mas esta é uma leitura propositadamente ingénua de um passado idealizado que a maioria de nós nunca experienciou. “Usamos ideias cunhadas recentemente sobre autenticidade para nos agarrarmos a qualquer coisa que não sabemos articular e que se pode ter perdido no decurso da modernização”, escreve Jaron Lanier, cientista computacional e especialista em tecnologia, no seu recente livro Who Owns the Future?.

Também há preocupações sobre a privacidade. Os consumidores têm de estar dispostos a partilhar informação sobre si — a sua localização, preferências — para que o software possa fazer o seu trabalho. Com as revelações recentes de que o Governo americano nos tem espiado muito mais finamente do que pensávamos, tornou-se agora mais difícil vender isso.
Segurança e riscos de roubo de identidade também colocam desafios. A esperança, segundo David Marcus do PayPal, é que as tecnologias biométricas — por exemplo, um sensor de impressão digital no iPhone5 — possam tornar-se generalizadas e criarem a sensação de segurança de que as pessoas precisam para dar o salto para as transacções exclusivamente móveis.

O Silicon Valley tende, em geral, a ser demasiado optimista sobre a velocidade com que as novas tecnologias e comportamentos vão ser adoptados. Empresas de pagamentos consideram que a transição para os pagamentos digitais se dará num prazo de três a cinco anos. Mas Mulpuru acha que serão precisos pelo menos dez anos até que as pessoas estejam prontas a aceitar essa forma radicalmente diferente de fazer as coisas.

Possibilitar o futuro

De certa forma, o futuro já chegou. Na City Winery, na cidade de Nova Iorque, pode-se usar a aplicação PayPal para acompanharmos a nossa conta em tempo real à medida que bebemos e comemos, e depois pagar com o telemóvel sem ser preciso esperar pelo empregado. (Ferguson, que está encarregue da carteira digital do PayPal, diz que os resultados iniciais mostram que os clientes deixam gorjetas maiores quando não têm de esperar pela conta.) E talvez seja melhor que os nossos telemóveis actuem silenciosamente no nosso bolso, em vez de termos de desviar as atenções das pessoas com quem estamos. “Acho que a tecnologia está no seu melhor quando nos lembra que já temos tudo aquilo de que precisamos”, diz Jack Dorsey. “Fico contente quando a tecnologia desaparece mais e nós usamos aquilo que já temos — toda esta tendência para nos afastarmos de um teclado e de um rato para usarmos os nossos dedos e a nossa voz.” Andamos sempre com os nossos telemóveis, mas isso não significa que o mesmo aconteça dentro de alguns anos. No futuro, a estratégia não passa necessariamente pelo nosso telefone. Passa pelo telefone como mais um ecrã inteligente.

O eBay, a Square e os retalhistas que estão a tentar competir com a Amazon têm de tirar partido de todas as novas tecnologias porque essa parece ser a melhor forma de evitarem ser esmagados. A Amazon é tão grande, tem tantos centros de distribuição e oferece tantas facilidades de utilização que, de certa forma, já ganhou. A não ser que os seus rivais descubram novas formas de levar a conveniência e a conectividade da interacção online para o mundo retalhista tradicional.

Mas John Donahoe hesita em prever quais das facetas da carteira digital, ou das tecnologias que o eBay está a tentar vender aos seus parceiros retalhistas, irão ter sucesso. Talvez um espelho “inteligente” numa loja, que tira as nossas medidas e nos permite experimentar várias peças de forma virtual e depois comprá-las através do próprio ecrã, possa pegar. Ou talvez não. (O eBay tem feito experiências com este conceito através do chamado Connected Glass e a própria empresa afirma que é muito menos apelativo do que parece. Neste momento, o eBay usa-o principalmente para criar montras digitais interactivas em lojas convencionais, mas Yankovich diz que um dia, quando estivermos em viagem, vamos poder fazer os nossos pedidos tocando no vidro do carro.) Talvez o eBay dê por si a fabricar coisas através da impressão 3D, em vez de ser apenas o intermediário das vendas. Talvez consigamos usar a nossa câmara para fazer um scan panorâmico daquilo que nos rodeia e depois tocar nas coisas que nos interessam e ficarmos a saber tudo sobre elas, desde o preço ao manual de instruções.

É possível que dentro de cinco anos as carteiras digitais façam parte do nosso modo de vida. Mas poderá acontecer o mesmo que aconteceu aos primeiros compradores de Segways. O aumento recente da Bitcoin prova a rapidez com que as coisas podem mudar. Ninguém vai usar uma carteira digital só porque Donahoe quer. Muitas pessoas no eBay dizem exactamente a mesma coisa, como se estivessem a cantar com a mesma partitura à frente: “O consumidor manda; a tecnologia possibilita.” É uma boa deixa, e é verdade. Se não gostamos, se não nos dá uma coisa que não queremos deixar de ter, não vamos usar.

“Eu diria que tudo aquilo que estamos a fazer é possibilitar o futuro”, afirma Donahoe no final da entrevista no centro comercial de Westfield. O ritmo lento das compras de meio da tarde já acabou. Ele parece confiante, mesmo que seja difícil prever o futuro a partir do sítio onde estamos sentados.

Exclusivo PÚBLICO/ The New York Times

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