Distrito de Beja tem 17 mil desempregados, mas são romenos, nepaleses e vietnamitas que apanham a azeitona
Cidadãos do Leste europeu deambularam sem dinheiro e alojamento até que se iniciassem os trabalhos nos olivais do Alentejo. Associação de Solidariedade Imigrante diz que, nesta altura, há entre dez a 15 mil trabalhadores imigrantes na região.
“Não tinham dinheiro, nem onde ficar e estavam a passar fome”, adiantou ao PÚBLICO Teresa Chaves, presidente da Cáritas Diocesana de Beja, frisando que foi necessário recorrer à Cruz Vermelha e à Segurança Social para acudir às situações mais críticas.
Este é o cenário que se repete nos campos do Alentejo desde há três anos. Depois dos ucranianos e brasileiros, chegam agora naturais da Roménia, Nepal e até do Vietname, contratados por indivíduos romenos, espanhóis e israelitas que os sujeitam a situações laborais à margem da lei e que as autoridades portuguesas têm vindo a sancionar desde o início de Novembro.
Alberto Matos, responsável da delegação do Alentejo da Associação de Solidariedade Imigrante, recorda que em 2011 as autoridades assumiam que as denúncias sobre exploração de mão-de-obra romena “eram histórias inventadas pelos jornais” ou admitiam que “não havia nada a fazer” por se tratar de trabalhadores comunitários.
Agora, acrescenta, são várias as entidades que “se meteram ao caminho”: Polícia Judiciária, Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, Autoridade para as Condições de Trabalho e Guarda Nacional Republicana estão a “competir entre si” no combate à exploração de mão-de-obra imigrante. Alberto Matos admite que estarão na apanha de azeitona no Alentejo “entre 10 a 15 mil trabalhadores imigrantes” na sua grande maioria romenos.
“Estamos perante uma situação problemática que envolve tráfico e exploração de pessoas”, assinala, por seu turno, Teresa Chaves.
Acções de fiscalização
As acções de fiscalização que têm sido efectuadas revelam uma repentina preocupação das autoridades portuguesas pela dimensão de um fenómeno que era esperado desde que foi iniciada a plantação maciça de olivais intensivos e superintensivos no território abrangido pelos blocos de rega do Alqueva, em meados da década anterior. O novo modelo agrícola baseado no regadio requer muita mão-de-obra e sempre foi dito, por especialistas, que a região não tinha condições para responder.
No entanto, o Baixo Alentejo apresenta uma das mais elevadas taxas de desemprego do país, cerca de 17.000 desempregados em Outubro. Apesar disso, e de acordo com várias fontes, os empresários agrícolas preferem a mão-de-obra imigrante.
Henrique Coroa, um agricultor de Beja que contrata trabalhadores imigrantes, tem uma explicação para este paradoxo. “A maioria dos desempregados na nossa região não se dispõe a ir trabalhar para o campo por achar que isso representa um desprestígio social”, diz, acrescentando que parte “são pessoas instruídas que não querem desempenhar tarefas na agricultura”.
Por outro lado, os imigrantes “são muito mais rápidos” na execução das tarefas, explica Henrique Coroa. “São a nossa sorte, senão a produção de azeite no Alentejo parava”, observa.
Confrontado com as denúncias que têm sido feitas pelas autoridades sobre o tráfico e exploração da mão-de-obra imigrante, Henrique Coroa reconhece que esta situação não abona a imagem da região, afirmando que no seu caso só contrata imigrantes “dentro da legalidade”.
Exploração, diz PCP
O PÚBLICO deslocou-se ao Centro de Emprego de Beja e pediu dados sobre as ofertas de emprego disponíveis. “Só temos para o estrangeiro”, foi a resposta obtida, referindo-se a cerca de 200 ofertas para os Estados Unidos da América, quase sempre para pessoal qualificado e altamente qualificado com formação superior.
O deputado do PCP João Ramos pediu recentemente à ministra da Agricultura e do Mar, Assunção Cristas, através de um requerimento entregue na Assembleia da República, que explicasse as razões que obrigam a que produção agrícola em Alqueva esteja “dependente de trabalho clandestino” e da “desregulação das relações laborais”.
A ministra respondeu que a “EDIA e os serviços do Ministério da Agricultura e Mar têm mantido uma ligação estreita com as autoridades com responsabilidade na fiscalização das condições de trabalho, sempre pugnando por uma melhoria dessas condições”. Sempre que se verifique “o desrespeito pelas condições de trabalho” as “referidas entidades serão alertadas”, garante Assunção Cristas.
O deputado comunista não ficou satisfeito com a resposta e considerou “inaceitável que numa das mais importantes áreas agrícolas do país, precisamente aquela que tem maiores condições para se modernizar e para se desenvolver, se possa recorrer a formas de exploração do trabalho de há vários séculos atrás”.