Que resta de Lance Armstrong, super-campeão caído em desgraça? O filme de Alex Gibney não responde cabalmente a uma pergunta a que só o tempo poderá responder: como viverá Armstrong no imaginário colectivo daqui a dez, vinte, trinta anos? Para já, é o filme que pode ser, sob o efeito quase imediato do choque produzido, há sensivelmente um ano, pela confissão de Lance: “sim, tomei drogas potenciadoras do meu desempenho desportivo”. Por outras palavras: “sim, dopei-me”.
A verdade de Armstrong tomou finalmente o lugar da sua mentira, mantida e ardilosamente sustentada durante década e meia, pelo menos. Essa mentira, como o título sugere, é o objecto do filme de Gibney, num sentido menos moralista do que possa imediatamente parecer: Gibney não resiste a julgar Armstrong, até porque a coisa também é pessoal (Armstrong mentiu, pessoalmente, ao realizador), mas o que o interessa mesmo é a “mecânica” da mentira, perceber o “como” mais do que o “porquê”, investigar o jogo do gato e do rato que Armstrong jogou com as autoridades cíclisticas durante tanto tempo, as cumplicidades e as deslealdades que o processo implicou.
A factura de A Mentira de Armstrong não é extraordinaria-mente interessante, com o seu modo de fazer muito televisivo, muito “toda a verdade”, a que nem falta uma respiração (os fundidos a negro a organizarem o filme, oficiosamente, em “capítulos”), que parece talhada para a entrada de blocos de publicidade.
Isto dito, Gibney pratica o género com vigor e sentido de propósito. Tem um grande atributo: a cumplicidade ambígua de Lance, que se deixou filmar durante o seu “come-back” na Volta à França de 2009 (a corrida estrutura o filme, em avanços e recuos temporais) e, mais tarde, já este ano e depois da confissão no programa de Oprah, veio ter com Gibney oferecendo-lhe a verdade sobre a sua mentira. Um anjo caído do topo dos Pirinéus: para além da detalhada explicação sobre os meandros do “doping” no ciclismo A Mentira de Armstrong oferece-nos isso, um olhar sobre uma personagem carregada de “pathos”, muito mais interessante e complexa agora do que quando se limitava a coleccionar vitórias. Bem vindo sejas, Lance, ao mundo dos “losers”.