Dias que foram mas voltam

Há pouco mais de um mês, Sasha Frere-Jones debruçava-se na New Yorkersobre uns quantos nomes que ameaçam tomar de assalto o ano de 2014 e reportava então (com consciente exagero) que as Haim se haviam tornado a banda preferida de toda a extensão dos Estados Unidos. Mas, de facto, Days Are Gone é coisa especialmente talhada para o gosto norte-americano, capaz de deixar Pharrell Williams a salivar em barda ou de atrair uma torrencial chuva de comparações com os Fleetwood Mac. Juntemos as duas pontas: a música das Haim é uma irrepreensível pop cheia de rebentações adolescentes pilhada aos anos 80 e pousada sobre um finíssimo tapete R&B. E esse discreto pormenor - a discrição é mandada às urtigas apenas em My Song 5 e Let me go - faz com que, mesmo distraidamente, uma hecatombe de anacronismo não corroa tudo à volta.

O verdadeiramente curioso é que as Haim desenterram sem pudor uma série de referências pop/rock dos anos 80 que a maioria prefere amarrar no passado e esquecer rapidamente que por lá passou. Sem uma película de ironia - como se apontou, por exemplo, aos Darkness -, vagueiam por Days Are Gone, título que também homenageia o retrovisor musical que aqui vai, restos de Fleetwood Mac, Stevie Nicks, Blondie, Bangles, Heart ou Pretenders, numa banda que não se esforça por apresentar uma candidatura de infalível validação do "bom gosto", ao contrário de tantos outros nomes que percorrem os mesmos circuitos. Nem sequer se detecta uma atitude de querer transformar suposto lixo em hipotético luxo. As Haim querem fazer música como se os anos 80 tivessem arrancado agora, com a vantagem de poderem polir aquilo que a produção de então tornou obsoleto e oleoso.

A estranheza é que Days Are Gone esteja a receber o acolhimento entusiasmado de um meio alternativo/indie que não costuma baixar a guarda sem desconfiança a um grupo pop que quer ser apenas pop e não mais do que isso. De facto, o maior feito extra-musical de Days Are Gone é o poder de confrontar cada um com os seus preconceitos do que é e pode ser isto de música pop. E de questionar até que ponto o mundo indie é capaz de não quebrar quando a imagem de Shania Twain (com quem têm sido identificadas algumas pontuais semelhanças - dar a devida atenção a The wire, por favor) fizer um aceno de cumplicidade.

No entanto, bastaria a sequência inicial de Falling, Forever e The wire para que este álbum justificasse a sua existência em estado de radiosa glória. Felizmente, com uma certeza cíclica, a música que julgávamos deixada para rádios especializadas em patrocinar pequenas viagens ao passado esbarra no presente e volta a fazer sentido. A pop, sem surpresa, tem tanto de canibalesca quanto de ruminante. Mas raras vezes rumina com tamanha eficácia e desassombro.

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