O futebol mostrou uma união que a Bósnia ainda não alcançou
Num país dividido e com uma taxa de desemprego a rondar os 45%, a qualificação bósnia para o Mundial serviu para juntar todos na mesma festa.
Os festejos em Sarajevo após o triunfo por 1-0 sobre a Lituânia que deu o apuramento mostram que a selecção é um motivo de orgulho nacional, mesmo para aqueles que antes só torciam pela selecção da Sérvia (que falhou o apuramento para o Brasil) ou pela Croácia (que vai disputar um play-off de acesso). “É a única coisa positiva a acontecer aqui e dá uma imagem diferente para o exterior, de que os políticos não são uma amostra do que nós queremos ser. É um passo em direcção à normalidade da Bósnia como nação. A selecção de futebol é uma ilusão que, por momentos, nos transporta para fora da nossa realidade”, dizia à Reuters Dragan Soldo, um advogado bósnio croata.
É um sinal de esperança, como fez notar ao PÚBLICO Dino Besirovic, filho de Nail Besirovic, um médio que fez carreira em Portugal ao serviço de Estrela da Amadora, Académico de Viseu, Académica, Farense e Leixões, e que chegou a ser internacional pela Bósnia em 1998. “Vinte anos depois da guerra é a primeira vez que as pessoas saem à rua para festejar. Mesmo os croatas e os sérvios estavam a torcer pela Bósnia. Estava tudo a arder lá”, conta este jovem médio de 19 anos que nasceu em Portugal, foi com a família para a Bósnia aos dez anos e regressou para tentar uma carreira no futebol português, actuando no Sampedrense, dos distritais de Viseu, por empréstimo do Académico de Viseu.
Num país que vive em ambiente de desunião e com graves carências, onde a taxa de desemprego atinge os 45%, o futebol é o contraste absoluto. Desde Junho de 1996, quando foi aceite como membro da FIFA, até hoje, a selecção bósnia subiu do 152.ª posição na hierarquia do futebol mundial para o 16.º posto (o provável lugar após a actualização do ranking que acontecerá nesta quinta-feira), uma extraordinária evolução culminada com uma inédita qualificação para um grande torneio internacional, depois de dois play-off consecutivos em que foi eliminada por Portugal.
Apesar da evolução da selecção, está é mais o produto de uma “tempestade perfeita” no que diz respeito à reunião de talentos como Dzeko, Ibisevic (avançado do Estugarda que marcou o golo da qualificação), Pjanic (Roma) ou Misimovic (Guizhou Renhe, da China), do que a uma evolução sustentada do futebol no país. Mas este sucesso pode fazer aumentar o campo de recrutamento para a selecção entre a diáspora bósnia que se espalhou pelo mundo para fugir à guerra, e evitar casos como os de Subotic, defesa-central do Borussia Dortmund, que nasceu em Banja Luka, na Bósnia, e que optou pela selecção da Sérvia. Ou de Zlatan Ibrahimovic, nascido da Suécia, mas de ascendência bósnia. Já Dino Besirovic não terá dúvidas se algum dia tiver de optar entre Bósnia e Portugal. “Gosto muito de Portugal, nasci aqui, mas sou bósnio. Escolhia a Bósnia.”
Muito deste sucesso tantas vezes adiado deve-se a Safet Susic, que assumiu as rédeas da selecção após o falhanço do apuramento para o Mundial 2010. Nos seus tempos de jogador, Susic foi um médio ofensivo de enorme capacidade goleadora que fez carreira no FK Sarajevo e no PSG, internacional pela Jugoslávia e considerado o melhor jogador bósnio de sempre. Na selecção, conseguiu transferir essa mentalidade ofensiva e a Bósnia terminou com o quarto melhor ataque da qualificação europeia, 30 golos marcados, apenas atrás de Holanda, Alemanha e Inglaterra.
Susic, um homem bem-humorado e emotivo, reconheceu a importância desta qualificação, não apenas no aspecto desportivo e também a dedicou aos adeptos que acompanharam os “dragões” nesta campanha. “Os jogadores merecem todo o crédito, mas os adeptos também merecem, porque estiveram em todo o lado e em todos os jogos que fizemos, em Zenica e em todos os jogos fora.”