Moradores da Culatra enfrentam processo por causa de heliporto ilegal

INEM diz que helicópteros de emergência médica sempre aterraram na ilha sem problemas.

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Moradores espalharam 70 toneladas de betão em área protegida da ilha inserida no Parque Natural da Ria Formosa Filipe Farinha/Stills

A construção desta estrutura começou a 22 de Setembro, pelas mãos dos cerca de 300 moradores da ilha situada no Parque Natural da Ria Formosa. Desde então, tal como o PÚBLICO noticiou nesta quarta-feira, apenas a Autoridade Marítima do Porto de Olhão levantou um auto de notícia, após uma denúncia da Liga para a Protecção da Natureza (LPN).

A associação ambientalista garante que a obra foi executada “à vista das entidades e autoridades mandatadas para a protecção dos valores naturais” – são elas a ARH, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve e o Parque Natural da Ria Formosa – mas só esta semana é que estas se reuniram para decidir o que fazer.

Contactadas pelo PÚBLICO, de todas estas entidades apenas a ARH respondeu, afirmando que “a situação está identificada e a ser avaliada pelas autoridades”. O PÚBLICO sabe que foi decidido abrir um processo contra a população, que tomou a iniciativa de espalhar 70 toneladas de betão numa área da Reserva Ecológica Nacional e da Rede Natura 2000.

Necessário ou nem por isso?
A impermeabilização do areal foi a forma encontrada para construir um local de aterragem para o helicóptero bombardeiro Kamov, o único disponível fora da fase crítica de incêndios para transporte de doentes no Algarve em caso de emergência médica. Neste momento, o helicóptero ligeiro ao serviço do INEM está estacionado na base militar de Beja

Para a construção da estrutura não foi apresentado qualquer projecto ou pedido de licenciamento ou certificação ao Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC). Houve sim um pedido de informação apresentado pela Câmara de Faro, no início deste ano, sobre “como poderia implementar um heliporto para emergência médica na ilha da Culatra”, segundo disse o gabinete de comunicação do INAC. No entanto, refere o mesmo gabinete, “o pedido com a apresentação do projecto não chegou a ser formalizado”.

O INAC sublinha, porém, que os heliportos destinados ao uso exclusivo por helicópteros de emergência médica não têm de ser certificados, à luz da lei. Acrescenta que “o espaço [agora construído] não será diferente dos utilizados noutros locais do país com o mesmo fim. Tanto é assim que este local já era utilizado com esta finalidade, isto é, emergência médica”.

O INEM, por sua vez, sublinha que não tem “qualquer posição favorável ou desfavorável” à existência da placa de cimento, mas explica que nunca houve qualquer dificuldade na aterragem dos helicópteros ao seu serviço. “Os helicópteros operados pelas empresas INAER e EMA ao serviço do INEM têm aterrado, ao longo dos anos e sempre que necessário e possível, em vários lugares da ilha da Culatra incluindo o local onde agora foi construída a placa”, esclarece fonte do gabinete de comunicação do instituto.

Preferindo designar a estrutura construída pelos moradores como “local não preparado”, em vez de heliporto, o INEM admite que a aterragem de um helicóptero na areia tem “naturalmente implicações técnicas, sobretudo relacionadas com o desempenho dos motores”. Mas “sempre que necessário, os helicópteros afectos à emergência médica têm aterrado em praias e areais, sem registo de qualquer dificuldade que tenha inviabilizado em absoluto essa aterragem”.

A decisão sobre a aterragem destes helicópteros cabe aos pilotos, atendendo às condições de segurança existentes. Pilotos profissionais contactados pelo PÚBLICO explicam que pela sua dimensão e tonelagem (o dobro dos helicópteros ligeiros), o Kamov exige condições específicas para a operação e aterragem, e que dificilmente este bombardeiro pode efectuar uma evacuação de emergência a partir do areal.

A Associação de Moradores da Ilha da Culatra garante que a obra foi feita cumprindo as normas de segurança recomendadas pelo INAC. A presidente da associação, Sílvia Padinha, adianta que um técnico ligado ao INAC colaborou com os moradores e forneceu os elementos para que os trabalhos fossem executados de forma a que o equipamento, no futuro, possa vir a ser legalizado.

População queixa-se de isolamento
A Culatra é o principal núcleo habitacional do conjunto das ilhas-barreia inseridas no Parque Natural da Ria Formosa. Ali moram duas ou três centenas de pescadores mas, em Agosto, são mais de mil os visitantes. Dos residentes habituais, a maioria possui casa de segunda ou primeira habitação em Olhão ou Faro mas continuam a ter ligações ao meio piscatório.

As ligações com terra fazem-se por barco, através de carreiras regulares, existindo também uma frota de barcos-táxi a funcionar em permanência. Em caso de emergência, a população das ilhas-barreira é servida por um barco-ambulância, que foi adquirido pelo antigo governo civil, mas esteve anos parado porque as várias entidades (INEM, bombeiros e Instituto de Socorros a Náufragos) não conseguiam articular entre si formas de assegurar a funcionalidade e o pagamento deste meio de auxílio a populações que se queixam de isolamento.

Em relação à construção clandestina do heliporto está por apurar quem serão os responsáveis. Apesar de não faltarem fotos e mensagens difundidas pelas redes sociais, elogiando a forma como a população da Culatra se colou numa posição contra-corrrente para levar a cabo uma infra-estrutura de interesse colectivo, não há quem assuma a autoria pela iniciativa. De resto, a ilha tem já um historial de construções clandestinas.

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