Existem dois dias a marcar na agenda da capital: terça e sábado, os dias da feira da Ladra. Como contraponto da calma de um jardim ou de um museu, a girândola de movimentos, sons, formas e cores enchem o olho e carregam o imaginário das crianças. Entre pregões e encontrões também se alcança uma estranha forma de serenidade. Deixarmo-nos levar por uma verdadeira corrente sanguínea da cidade ao sabor do pulsar de um dos seus centros vitais, misto de curiosidade, memória e desespero, reforça as nossas raízes e a atenção aos pormenores de que a vida é tecida. E agora que os termos vintage e retro estão tão em voga, não há melhor lugar para se encontrar algo realmente genuíno!
Nestas ruas encontra-se de tudo um pouco, desde os objectos mais comuns aos mais insólitos, desde um "stiletto" sem par a um molhinho de preservativos. Atendendo à violência do sol reflectido no prateado das embalagens, creio que a taxa de natalidade do país poderá aumentar significativamente!
A Guadalupe, de pescoço esticado, arregalava os olhinhos e estendia os braços no intuito de tocar em tudo, uma verdadeira perdição! No limbo das suas vidas, estavam muitos brinquedos desmembrados à espera que alguma criança os adoptasse. Uns ainda coloridos, outros já desbotados, uns para se terminar uma colecção antiga, outros que foram simples brindes numa cadeia de hambúrgueres... A pequenina adorou um cavalinho de baloiço em madeira, daqueles à moda antiga, mas ainda terá de esperar um pouco para o conseguir montar.
Em redor do Mercado de Sta. Clara existem ainda muitas lojinhas para completar a oferta. Numa altura em que se fala tanto de Modernismo, destaco a loja Portugal Modernista, com produtos unicamente nacionais que representam de forma criativa e única os artistas da época. Um espaço depurado, acolhedor mas com muito bom gosto para se encontrar azulejos, canecas, pins, "t-shirts" e muito mais, a encarnar o espírito modernista.
Em consonância com o ambiente da feira, o caos é muito mas ainda assim é possível passear de carrinho de bebé, desde que consigamos exercitar os glúteos de mamãs a cada descida mais acentuada!
Para descansar da confusão visual e auditiva, refugiámo-nos no pequeno oásis do jardim de Sta. Clara, a esplanada do quiosque Clara Clara, onde pudemos beber uma limonada fresca ao som de jazz. Um pequeno parque infantil permite aos pais deixar os miúdos em plena acção e segurança, enquanto descansam com uma vista suprema sobre o Tejo ou para o Panteão. Aproveitei o sossego do jardim e dei de mamar à Lupe, uns magníficos minutos de calma e amor que antecederam a muda da sua lingerie na relva.
No regresso, voltámos a envolver-nos no meio da feira, assaltando-nos um sentimento de nostalgia, talvez porque ali reconhecemos aqueles pratos que a nossa avó também tinha ou aquela toalha de renda que a tia usava na camilha quando brincávamos às escondidas na sala de jantar. Ecos de outras infâncias, que espero poderem enriquecer a que a Guadalupe vive agora em pleno.