Esquema Ponzi nas reformas

Com o mínimo de seriedade, e algumas contas, o diagnóstico é evidente: o sistema não é sustentável sem reformas porque os benefícios futuros que são prometidos não estão acautelados com o nível de descontos que são praticados. Esta é uma verdade técnica, só escondida por discursos políticos por uma razão visível, o problema coloca-se para futuras gerações, com outros políticos nos desígnios do País.

O problema não é nem nunca será de solução fácil. Qualquer financeiro dirá que ou os descontos para a Segurança Social aumentam ou os benefícios terão que ser menores mas nenhuma destas soluções satisfaz nenhum dos envolvidos, em especial a parte da população com menos meios e cuja qualidade de vida no seu período de reforma depende quase em exclusivo deste sistema. A agravar tudo isto temos as alterações demográficas, a esperança média de vida aumenta e os índices de fertilidade não chegam para renovar a população, teremos então, inevitavelmente, uma percentagem maior de pessoas a beneficiar de um sistema cada vez financiado por menos gente.

Uma das fraudes financeiras clássica, conhecida por esquema de pirâmide ou de Ponzi, caracteriza-se por atrair investidores com a promessa de “juros” altos. O dinheiro que vai entrando não é investido em lado nenhum e vai servindo para pagar os ditos “juros” a quem investe. Tudo funciona por uns tempos mas claro que não é sustentável porque haverá um ponto em que os novos investidores não são suficientes para o pagamento dos juros. O esquema é em tudo análogo ao que assistimos hoje em relação à Segurança Social. Os descontos pagos ao sistema por quem tem rendimentos de trabalho são usados para pagar aos beneficiários actuais. Os participantes beneficiários não recebem o que resultou do investimento dos seus descontos mas sim directamente das entradas dos participantes mais novos. De facto só vejo uma diferença entre um esquema Ponzi e a Segurança Social, no Ponzi há uma altura em que já não se convence ninguém a investir, na Segurança Social o Estado legisla para que isso não aconteça e mesmo quando falta o dinheiro, obriga a que as entradas sejam maiores. É pois uma D. Branca legitimada!

A Europa recente, ou a zona do Euro em particular, enfrenta duas características com inegáveis desafios para qualquer exercício de orçamentação das contas públicas, por um lado o tal envelhecimento das populações e por outro a utilização de uma moeda comum que forçou países a abdicaram das ferramentas de política monetárias que em tempos idos utilizavam para atingir determinados objectivos económicos. Há um entendimento político dominante que mesmo nestas circunstâncias os países se devem comprometer a uma disciplina financeira ou orçamental mas isto significa que a única coisa que vai sendo feita é uma escolha selectiva das contas correntes que se devem ir pagando, é aquilo que nas empresas se chama a gestão do dia-a-dia. Todos compreendemos que nenhum país, assim como a generalidade dos particulares, coloque de lado uma parte do seu dinheiro para compromissos futuros e admita-se que só não nos preocupamos mais com isto porque não é um problema para agora mas sim futuro. Por muito que não nos apeteça, há dois problemas evidentes que ninguém tem dúvidas, cada vez haverá menos gente a contribuir para o sistema da Segurança Social e o crescimento destas contribuições está muito aquém da evolução previsível das necessidades.

Gente que vai fazendo uns cálculos actuais sobre este tema já apresentaram as contas e os resultados são deveras assustadores. Em média, um país europeu deveria ter mais que 4 vezes o seu PIB (Portugal cerca de 5), “de lado”, aplicado em qualquer sistema financeiro a produzir uma taxa idêntica à proporcionada pelas respectivas dívidas públicas de modo a financiar indefinidamente as suas actuais políticas de subsídios de longo prazo. Escusado será dizer que nenhum país tem estes montantes aplicados, nem tão pouco é normal vermos políticos com estas preocupações de longo prazo. Uma alternativa seria que estes mesmos países fossem aumentando as suas poupanças e os seus investimentos, para resolverem o problema até 2050 estes aumentos teriam que corresponder, em média a 8,3% do PIB todos os anos. Também esta opção nos parecerá utópica e mesmo assim não garantiria a sustentabilidade do sistema a partir de 2050.

Naturalmente que num cenário deste tipo e acreditando que a capitalização de eventuais fundos para o financiamento do sistema não passará de uma recomendação dos ditos financeiros só existem duas alternativas, ou se alteram substancialmente os benefícios, sejam de reforma ou serviços de saúde, ou se vão aumentando as taxas de contribuição conforme o aumento das necessidades.

Apenas como exercício académico reparem no que acontece se optarmos apenas por ir aumentando as taxas de contribuição. Actualmente estas contribuições representam cerca de 40% do PIB, em 2020 teriam que ser 55%, em 2035 57% e em 2050 cerca de 60%. Estou a falar em médias para a zona Euro, as alterações demográficas e os crescimentos económicos são diferentes de país para país e por isso existem necessidades específicas mas a ordem de grandeza destes números evidenciam bem o problema que nos preparamos para deixar de herança às gerações futuras.

São inegáveis os direitos adquiridos por quem é obrigado a entregar ao Estado uns euros por mês para garantir uma futura protecção mas o imbróglio a prazo parece evidente.
 

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