O último Papa?

Na verdade, o texto de Patrick Michel correu o risco de todos os "prognósticos antes do jogo". Ele sinalizava com perspicácia os lugares de erosão da autoridade papal, mas permanecia pouco atento às margens de recomposição. É certo, a autoridade não se reduz a um poder de facto. Ela existe na medida em que é recebida. Ou seja, ela estabelece-se sobre um acordo que garante à comunidade as referências comuns. Como observava, nos anos 1970, Michel de Certeau, quando uma autoridade se isola do "consenso" que deve representar, todo o edifício se desmorona. Em tais circunstâncias, as autoridades deixam de corresponder à real "geografia do sentido", aquilo que representam torna-se "inacreditável", ou seja, inverosímil.

O olhar de Patrick Michel fixou-se nas dificuldades de funcionamento dos pressupostos de universalidade – quanto à representação de uma verdade – da autoridade papal, mas não deu suficiente atenção a outras formas de credibilização que se podiam descobrir naquele pontificado sui generis. É óbvio que o papado conheceu historicamente formas diversas de afirmação social. Mas julgo comprovável que no pontificado de João Paulo II assistimos a uma das mais marcantes transformações quanto ao funcionamento social da autoridade papal – à luz da qual deve ser lido o pontificado seguinte, o de Bento XVI.

O primeiro destes traços de mudança diz respeito à visibilidade. Ultrapassando a experiência de uma sacralidade reservada, invisível, João Paulo II inscreveu-se num novo regime social em que o crer necessita de ser mediado pelo "visto", ou pelo "mostrado" – paradoxalmente, acredita-se no que se vê. Neste contexto, o Papa vive, no exercício da sua autoridade, a necessidade de "aparecer", imperativo "massmediático" que abriu novas possibilidades de comunicação entre o Papa e a cena pública. Neste novo mundo, a religião continua, assim, bem presente na cena pública. Tenha-se em conta a atenção dada, no espaço "massmediático", aos virtuosos da religião ou aos líderes religiosos – Dalai Lama, João Paulo II, Madre Teresa de Calcutá, Desmond Tutu, Bento XVI, entre outros.

No caso de João Paulo II, os lugares de visibilidade eram o seu habitat. No que concerne a Bento XVI, as exigências do "aparecer" foram vividas com um enorme custo pessoal. O primeiro escolheu, nessa visibilidade, fazer do envelhecimento e da doença, até ao apagamento, o lugar simbólico da sua comunicação; o segundo escolheu uma singular e eloquente saída de cena.

Esta nova cultura da visibilidade, que afeta a autoridade do Papa, tem uma particular relação com os atuais fenómenos de identificação religiosa. O fascínio que é exercido pelas personalidades religiosas singulares, ou pelos acontecimentos extraordinários de que são protagonistas, exemplifica bem os atuais processos de individualização e "emocionalização" do religioso. O espaço "massmediático" tornou-se um lugar de construção de sacralidades efémeras e emocionais, características salientes da religiosidade contemporânea. Estas personalidades singulares permitem uma identificação pessoal, veiculada pelo seu aparecer e pela narrativa que a acompanha.

Repare-se que, apesar de o Concílio Vaticano II ter valorizado o papel dos bispos, nas Igrejas locais, assistiu-se ao reforço das possibilidades de comunicação "direta" do bispo de Roma com todos os católicos, tornando esta referência preponderante – muitos católicos não conhecerão o seu bispo, mas conhecem bem o bispo de Roma. É por isso que estes dois últimos pontificados se poderiam qualificar de biográficos (sublinho que a confiança nestes dois Papas não esteve sempre dependente do crédito dado às instituições que dão corpo ao Vaticano, teve vida própria).

Quantos católicos conheciam o nome "de batismo" de João XXIII ou de Paulo VI? A relação com o Papa polaco ou o Papa alemão incluíram sempre uma espécie de colagem entre o nome que os identifica como história pessoal e o nome de função. João Paulo II trazia no seu corpo as marcas dos traumas do século XX europeu. Por isso, pôde ser um dos protagonistas no processo de reinvenção da Europa nesse novo mapa. Na cena pública, esse corpo teve, ele próprio, uma história: de Papa desportista a ancião consumido pela degradação física. Bento XVI trazia uma história muito diferente, mas tornou ainda mais evidente que, no contexto presente, não há autoridade sem biografia. Consigo vinha um passado de criação intelectual, mas também de vigilante da ortodoxia católica. Não foi fácil o convívio entre estas duas memórias.

A visibilidade e a biografia articulam-se num dos recursos fundamentais para o atual reconhecimento de uma autoridade religiosa: a prioridade do "gesto". As viagens de João Paulo II foram o gesto por excelência, e permitiram outros gestos com uma particular força comunicativa (isto pode ser documentado numa rápida viagem pelos arquivos do fotojornalismo).

Elas permitiram a reinvenção da figura papal como autoridade peregrina, mais conforme às imagens de mundo que nos habitam – móvel, conectivo e global. As frequentes referências ao "Papa peregrino" podem ser interpretadas como expressão da utopia de um catolicismo transumante à escala planetária.

Ao gesto da "viagem" é necessário acrescentar os gestos da reconciliação da memória ou de aproximação inter-religiosa. João Paulo II não ficou refém dos constrangimentos doutrinais que afetam o diálogo dos católicos com as outras religiões. Avançou na direção de uma aliança pública com as religiões, sinalizando o horizonte religioso das culturas. Para isso encorajou os gestos de reconciliação entre as grandes religiões – as imagens da "oração de Assis" permanecerão como um ícone do século XX. Bento XVI continuou boa parte destes gestos, na cena pública. No entanto, a sua biografia é diferente. O seu perfil intelectual não era tão favorável a estratégias de massificação. O discurso tomou o lugar da preponderância do gesto. Num tempo em que muitas das sensibilidades religiosas florescentes escolhem a via do acontecimento extraordinário ou da exacerbação emocional como formas privilegiadas de aceleração da possibilidade de adesão religiosa, Bento XVI emergiu, na cena pública, na figura do intelectual – essa condição permitiu o encontro com outros interlocutores.

Penso que Bento XVI escolheu a mediação teológica para encontrar o seu lugar "biográfico" na cena pública – esta era a sua história. Parece-me claro que o seu reconhecimento público enquanto intelectual é inseparável de uma certa reabilitação do discurso teológico. Este pontificado tem, pois, a marca de um desejo: o da reinvenção da teologia cristã enquanto discurso público, enquanto modo de pensar a experiência humana na sua abertura à questão de Deus. Note-se que, pela primeira vez, um Papa fez de um projeto de escrita teológica, um instrumento privilegiado de transmissão e comunicação. Este facto foi observado como lugar de ambiguidade, já que, nesse contexto, o discurso não pode apresentar-se com todas as qualidades de proteção institucional, que o tornam um discurso "autorizado" – como acontece com as Cartas Encíclicas ou as Exortações Apostólicas. Sob este ponto de vista, o livro teológico é um veículo frágil. Com frequência, no interior do espaço teológico católico, esta aposta de Bento XVI foi vista como condicionadora do estatuto próprio da teologia. Penso que Bento XVI terá percebido que grande parte dos discursos "autorizados" é, por causa dessa armadura, socialmente impertinente.

No Vaticano, prepara-se a eleição do próximo bispo de Roma. Ele terá certamente uma outra história pessoal para contar. Essa narrativa voltará a ter um papel decisivo na construção do seu lugar de autoridade.

O autor é docente e investigador universitário e escreve segundo o Acordo Ortográfico
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