Uma Igreja global, mais pobre e menos branca

Dois em cada três católicos vivem nos países em desenvolvimento. América Latina é a região com mais crentes no mundo.

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Os números são há muito conhecidos - todos os anos o Vaticano publica o Anuário Estatístico da Igreja - e traduzem-se nas estratégias dos últimos dois pontificados: João Paulo II foi o primeiro Papa global, viajando incansavelmente para ir ao encontro dos católicos no mundo; Bento XVI deu prioridade à "nova evangelização" de uma Europa em rápida secularização. Mas a realidade dos números volta a impor-se agora que os "príncipes da Igreja" são de novo chamados a eleger um líder para uma comunidade que é cada vez menos homogénea.

O estudo sobre o cristianismo do Pew Research Center - um inquérito demográfico que abrange mais de 200 países e que é tomado como referência internacional - revelava que, em 2010, quase metade dos 1100 milhões de católicos residia no continente americano, a esmagadora maioria na América Latina (39%). Juntando estes números aos da África subsariana (16%) e Ásia (12%) é possível perceber que no início do novo milénio mais de dois terços dos católicos do mundo vivem em países pobres ou em vias de desenvolvimento.

Uma tendência comum à maioria das Igrejas revelava o estudo, segundo o qual apenas um quarto de todos os cristãos do mundo vive no Velho Continente (a excepção são os ortodoxos). Estimativas relativas a 1910, citadas pelo Pew, referem que no início do século XX dois terços dos cristãos eram europeus. O cristianismo difundiu-se de tal forma nos últimos cem anos que "nenhum continente pode hoje reivindicar sem contestação ser o centro da cristandade", lia-se no relatório.

Secularização da Europa
O domínio europeu sobre a hierarquia católica é tão ou mais contraditório com as estatísticas quando se percebe que actualmente vivem mais católicos no Brasil do que no conjunto de Itália, Espanha e Alemanha - os três países têm 39 cardeais eleitores no conclave e há apenas cinco brasileiros. Um século antes, França era o país com maior número de católicos, seguida de Itália e só depois do Brasil.

O rápido crescimento da população no hemisfério sul (e o declínio na Europa) explica parte desta troca de posições, mas tão importante é a acelerada secularização a que se assiste na Europa - na França de 1910, por exemplo, 98,4% da população definia-se como católica; um século depois são pouco mais de 60%.

O afastamento acentuou-se nas últimas décadas, com a sociedade ocidental a reconhecer-se cada vez menos na moral católica, ignorando as posições do Vaticano sobre temas como a contracepção, o casamento homossexual ou o aborto, e agravou-se nos últimos anos com a revelação de escândalos de pedofilia em países como a Irlanda ou os EUA.

Muitos dos que são baptizados (integrando assim as estatísticas oficiais) não se definem já como católicos ou não são praticantes: o Pew Research indicava que 92,3% dos portugueses são católicos, mas um estudo sobre Identidades religiosas realizado em 2012 pela Universidade Católica revelou que apenas 79,5% se define como tal, e apenas 45,7% diz ir à missa com regularidade.

Apesar da sua força numérica, a Igreja Católica na América Latina enfrenta desafios não menos difíceis. O catolicismo tem perdido terreno nas últimas décadas, na proporção inversa ao crescimento da economia e ao aumento da população urbana. O Brasil é um bom espelho desta realidade: apesar de ser, de longe, o país com mais católicos do mundo, apenas dois terços da sua população diz professar a religião - ainda em 1980 eram 89%, em 2000 74%. Mas ao contrário do que acontece no hemisfério norte, muitos dos que na América Latina abandonam a Igreja não viram as costas à religião, o que se traduz num aumento exponencial do número de fiéis das Igrejas evangélicas - no Brasil são hoje 22% da população, mais do triplo do que em 1980.

Em contraciclo, é da África negra e da Ásia que surgem as melhores notícias para o Vaticano. Em África, o número de baptizados cresceu quase 33% entre 2000 e 2008 e na Ásia aumentou 15,6%. O conjunto das igrejas nos dois continentes, mais tradicionalistas do que as suas congéneres ocidentais, representam já 28% dos católicos em todo o mundo (em 1910 eram 6%) e um quinto de todos os padres do mundo é oriundo dali.

Quando escolherem um novo papa, os cardeais estarão, por isso, a enviar uma mensagem ao mundo. "A nacionalidade do novo Papa não irá, por si só, determinar o futuro da Igreja, mas será um forte indício de quais são as prioridades do Vaticano", escreveu Max Fisher no Washington Post.

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