O Natal feito à mão

A crise, mas não só, está a levar cada vez mais pessoas a fazer os próprios presentes.

Marta Florêncio, educadora de infância, sempre evitou os exageros consumistas próprios da época, mas a ideia de fazer as prendas em casa ganhou mais sentido quando a filha, agora com seis anos, nasceu. “Quis que ela percebesse que o Natal não é ir às compras e que passa muito por dar algo do nosso tempo e da nossa criatividade aos outros”, justifica pelo telefone a partir de Almada.

Este ano não é excepção e em casa de Marta estão a fazer-se botas de feltro para pendurar na lareira e bonequinhos em lã virgem, que serão oferecidos com um postal ilustrado pela filha.

Idas a centros comerciais, enfrentar filas para pagar e embrulhar prendas é algo que já não faz “há algum tempo”. Quanto muito, Marta compra algumas coisas em feiras de produtos biológicos para compor cabazes de Natal.

Dentro do núcleo familiar, Marta e o marido não têm por hábito trocar prendas no Natal. A filha, de seis anos, recebe prendas dos avós e dos tios, mas dos pais raramente. “Já perguntou porque razão o Pai Natal do pai e da mãe não traz prendas, mas tento explicar que tem coisas suficientes e que recebe prendas dos avós e dos tios. Até agora, a explicação tem sido suficiente”.

Oferecer fora de época
Madalena Matoso, ilustradora da editora Planeta Tangerina, não gosta do corrupio de andar de loja em loja à procura de presentes e prefere que o destino ou o acaso a leve até ao presente ideal e oferecê-lo fora de época.

No ano passado fez cabazes de Natal para oferecer aos mais próximos e a regra é dar prendas que sejam úteis e criativas. Já dar uma das suas ilustrações – como as que tem penduradas na sala de reuniões da editora – está, por princípio fora de questão. “Não gosto de oferecer uma ilustração para as pessoas porem na parede. É como se me estivesse a impor”, diz.

Além da convicção, há quem se tenha visto obrigado a reduzir os gastos com as lembranças de Natal. Desde que a crise fez encolher o dinheiro disponível, o número de pessoas a quem Teresa Mendes passou a oferecer prendas personalizadas aumentou. Este ano, esta administrativa de 57 anos juntou mais sete à lista de 15 amigos e familiares que vão receber doces caseiros. “Com a crise alargou bastante o número de pessoas a quem ofereço prendas feitas por mim”, conta.

Um estudo recente da Deloitte mostra que o valor médio dos gastos previstos pelas famílias portuguesas com presentes, comida e eventos sociais é, este ano, de 464 euros, menos 13,5% do que em 2011. Desde que Portugal foi incluído neste inquérito, em 2005, é não só a maior quebra percentual, mas também o montante mais baixo. Com menos dinheiro para gastar, as compras são ponderadas e planeadas ao milímetro. Por isso, fazer prendas personalizadas e caseiras é uma opção cada vez mais frequente.

Teresa já pintou panos e pequenos objectos. Este ano fez doce de abóbora, ginja, amora e morango que colocou em frascos reutilizados. Cada presente, decorado ao ritmo da inspiração do momento, não foi além dos dois euros.

Mas não é só uma questão de dinheiro. Quem recebe dá mais valor à prenda, garante. “As pessoas acarinham de outra forma o presente e tenho sempre feedback. De uma maneira geral, as prendas compradas nas lojas passam mais despercebidas. As coisas são mais simples quando são feitas por nós”, diz. Para Teresa o Natal “é isto”. “Às vezes só uma palavra ou abraço é suficiente”.

Sugestões na blogosfera
Na blogosfera não faltam sugestões de lembranças feitas à mão e que implicam essencialmente um investimento de tempo. O blog A economia cá de casa sugere latas de bolachas sortidas, cabazes com compotas, misturas para bolos prontas a usar, azeite aromatizado. A autora começa a preparar os presentes com muita antecedência, aproveitando a fruta e os legumes da época.

Manuel Leitão, impressor gráfico numa grande empresa, há muito que dedica parte do seu tempo livre nas semanas que antecedem o Natal a elaborar as prendas para oferecer aos sobrinhos e amigos. “Uma prenda feita à mão implica um envolvimento diferente. Além do mais, a pessoa que a recebe acaba por lhe dar outro valor”, refere.

Cadernos cosidos à mão, caixas forradas com papel marmoreado e as criativas mobil stories – composições com os bonecos da Playmobil emolduradas – são algumas das coisas que este ano vai oferecer. Tudo feito sem grandes despesas, mas com um grande investimento de tempo.
 

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