A incerteza é o veículo de mudança por excelência. O momento actual pode ser de conjuntura crítica em que é possível lançar um debate sério, a vinte e oito, acerca do potencial do projecto federal para o futuro da Europa.
Para alguns, a União Europeia é uma realidade longínqua que, ocasionalmente, debita euros e exigências em assuntos tão díspares como o comprimento dos peixes que podem ser pescados e consumidos, a meta do défice orçamental e a duração dos cursos do ensino superior. Diariamente, temos a clara percepção que não estamos sozinhos.
O projecto europeu federalista é amplamente reprovado e sussurrado, mas será que é seriamente debatido, comunicado e reflectido? Para os portugueses, que vivem num país apontado como um modelo de "Estado-Nação" e que sempre se identificou como Estado unitário, o federalismo pode parecer mais uma bizarria estrangeira. Isto explica-se pelo facto da história ser escrita pelos vencedores e que, por isso, o papel do federalismo no ideário republicano português seja uma relíquia obscura.
Dois dos maiores argumentos contra a consumação do projecto federal na União Europeia (uma vez que ele já existe, de facto), aos quais Portugal não é alheio, são o receio da "perda de soberania" e o obstáculo que constitui a multiplicidade e diferenciação das realidades histórico-culturais europeias – a potencial perda das "identidades nacionais".
O projecto federalista pretende focar-se nas vantagens do exercício de uma «soberania partilhada» de acordo com uma claríssima diferenciação das competências e áreas de intervenção da União Federal e dos estados federados e regendo-se por uma real aplicação dos princípios de atribuição, subsidiariedade e proporcionalidade – intervenção do governo federal naquelas áreas de âmbito europeu, ou de "soberania partilhada" de acordo com uma proporcionalidade entre meios e objectivos.
O federalismo não pretende inibir a capacidade de decisão e governação autónoma dos estados federados nas áreas consideradas "nacionais" ou "soberanas", que são a maioria – na verdade, pretende-se promover o desenvolvimento regional integrado. Uma Europa federal tem todo o interesse em preservar as especificidades culturais que a constroem enquanto entidade única com uma essência para lá da geografia.
Para a União federal, qualquer cidadão seria primeiramente europeu, propondo-se uma configuração institucional bicameral: o Parlamento Europeu, para a representação dos cidadãos, e o Conselho Europeu para a representação igualitária dos estados federados. A dupla cidadania protege duplamente os cidadãos de Portugal e reorganiza as relações internacionais: se a União Europeia se tornasse um Estado Federal, provavelmente alcançaria um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Uma Europa Federal permitirá aos Europeus, nas palavras de Álvaro de Campos, "ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo" – ser tanto mais português quanto se é europeu.