Dívida externa portuguesa aumenta e é insustentável
A Comissão Europeia (CE) analisou os números e concluiu que a recente melhoria do endividamento externo líquido ocorreu graças à desvalorização dos títulos de dívida nacionais. Agora que o cenário se inverteu, e as Obrigações do Tesouro (OT) voltaram a valorizar-se, a dívida externa voltou a crescer. E, avisa Bruxelas, pode ser considerada insustentável.
O alerta consta do relatório das Previsões Económicas de Outono, divulgado esta quarta-feira pela CE. Bruxelas começa por dizer que "a redução do défice externo não é, por si só, suficiente para diminuir a dívida externa líquida, sobretudo quando o Produto Interno Bruto (PIB) está em queda, agravando os rácios da dívida". Para avaliar o ritmo do ajustamento, defende, é preciso considerar não só o défice, mas também a evolução de variáveis de stock, como a posição de investimento internacional (PII) e a dívida externa líquida. A PII é o conceito mais abrangente de endividamento externo líquido, pois mede a diferença entre os activos e os passivos de residentes - empresas, bancos e administrações públicas - face a não-residentes. Aqui inclui-se, por exemplo, o investimento directo, os títulos de dívida e as acções. Se a PII for negativa, como é o caso de Portugal, significa que o país é um devedor face ao exterior. E que tem um défice externo.
O facto de a economia portuguesa importar mais do que exporta - o tão falado "viver acima das suas possibilidades - obriga a que essa diferença seja financiada através do recurso a crédito de fora, aumentando consequentemente o endividamento externo. Ou seja, uma redução do défice externo nacional - como a que se tem vindo a verificar e que tem sido apresentada como uma das conquistas do programa da troika - seria, à partida, acompanhada por uma redução da dívida externa. Mas não é isso que está a acontecer.
"O recente declínio no endividamento externa líquido em percentagem do PIB na Grécia, Chipre, Espanha e Portugal deveu-se sobretudo a efeitos de valorização (e à reestruturação da dívida, no caso grego)", alerta a CE. A desconfiança dos mercados financeiros fez com que as taxas de juro da dívida nacional subissem e, inversamente, diminuísse o preço dos títulos, quer do Estado, quer de empresas ou bancos. Ou seja, esta dívida (em grande parte detida por estrangeiros) desvalorizou-se e, consequentemente, a dívida que Portugal tem para com o exterior encolheu.
Segundo os números do Banco de Portugal (BdP), desde o início de 2011 que a PII nacional melhorou graças a este efeito de preço (ver gráfico). Contudo, se este efeito não fosse acompanhado de uma efectiva redução da dívida contraída em volume e de uma melhoria substancial do défice externo, assim que as OT voltassem a valorizar-se, a excessiva dependência do exterior voltaria a fazer-se sentir. E foi isso que aconteceu.
A relativa normalização das condições de mercado a partir do início deste ano fez aumentar de novo a dívida. Entre Setembro de 2011 e Junho de 2012, o endividamento externo medido pela PII subiu de 104% do PIB para 108,6%. A "informação disponível" sugere, por isso, que o nível de endividamento líquido "pode ser considerado insustentável" em algumas "economias vulneráveis", como Portugal, Grécia, Chipre, Espanha e Irlanda, concluiu Bruxelas. Os números do BdP mostram que, no final de 2011, a posição de investimento internacional portuguesa era a pior de entre os 17 países do euro. Para a CE, sem novas desvalorizações nas OT nacionais, o défice externo e a reduzida actividade económica sugerem que o endividamento externo em percentagem do PIB irá, quando muito, estabilizar em Portugal e em Espanha, e poderá mesmo aumentar na Grécia.
A análise que o FMI faz à sustentabilidade da dívida externa, no relatório da quinta avaliação da troika, revela que as perspectivas são desafiadoras. No próximo ano, a dívida externa (que é diferente da PII, visto que não desconta aquilo que o exterior deve a Portugal) deverá tocar quase os 240% do PIB. Para a colocar numa trajectória descendente, Portugal precisa não só de pôr a economia a crescer quase 2% como de ter um saldo externo primário (sem juros) superior a 5% do PIB.
Notícia alterada às 14h30. Colocado texto na íntegra da edição em papel