Banco de Portugal apresenta igreja que receberá o Museu do Dinheiro

Foto
A porta da casa-forte onde se guardavam as reservas de ouro Foto: Nuno Ferreira Santos

O edifício, que durante anos serviu de armazém do Banco de Portugal, sendo violentado de diversas maneiras, foi agora recuperado com um projecto dos arquitectos Gonçalo Byrne e João Pedro Falcão de Campos, e receberá, a partir do segundo semestre de 2013, o Museu do Dinheiro.

As imagens do que era a igreja até há relativamente pouco tempo impressionam. Pela porta principal, virada para a Praça do Município, entravam os carros, que estacionavam no interior. E, ao fundo, no que tinha sido a capela-mor, estavam, rompendo literalmente a parede, as caixas-fortes. "O que fizemos foi uma limpeza sucessiva para remover o betão, as argamassas, o cimento. Não fizemos mais do que relevar", disse João Pedro Falcão de Campos durante a visita.

O projecto - com um custo final de perto de 34 milhões de euros, mais IVA - fez ainda "crescer" um piso as partes laterais da igreja, que passaram assim a cumprir o plano que o marquês de Pombal fez para a Baixa depois do terramoto de 1755 e que até agora a Igreja de São Julião não cumpria. Na esquina do lado direito de quem está virado para a igreja surge agora um óculo de vidro azulado - um dos detalhes mais polémicos da obra. "Não fizemos [o novo piso] de forma mimética, assumimos a contemporaneidade", explicou Falcão de Campos, reconhecendo, contudo, que "a concretização ficou aquém" das expectativas.

O aumento de um piso permite que a visita à igreja e aos espaços onde será instalado o Museu do Dinheiro se faça de forma circular. Foi criado um corredor elevado junto à fachada principal, separado da igreja por uma parede de vidro, que serve não só para ligar as duas alas, como para reforçar a fachada principal, que corria riscos de derrocada em caso de sismo.

"Jogo de equilíbrios"

A igreja, originalmente do século XVII, mas reconstruída depois do terramoto, está integrada num quarteirão que pertence, todo ele, ao Banco de Portugal - foi, aliás, o último dos nove edifícios que o banco foi adquirindo entre 1868 e 1933, "fechando" assim o quarteirão. A recuperação foi uma tarefa de grande complexidade, não só pelas descobertas arqueológicas (ver caixa) mas também pelas exigências actuais de segurança e conforto. Onde colocar toda a parafernália técnica necessária?

A solução foi sacrificar dois dos edifícios do quarteirão, contíguos à igreja, colocando neles toda a parte técnica, do ar condicionado aos elevadores, escadas de emergência e cabos. Não era possível enterrar tudo, por um lado, porque, segundo Falcão de Campos, "o nível freático é muito elevado" na zona e, por outro, as descobertas arqueológicas não o permitiam. A parte técnica ficou assim concentrada nos chamados "edifícios-sacrifício". "Esta obra é um jogo de equilíbrios", afirmou o arquitecto.

A ideia é que o público passe a usar a porta antes usada pelos carros para entrar na igreja e aceder quer ao Museu do Dinheiro, quer às próprias instalações do Banco de Portugal, que podem ser vistas por detrás de um longuíssimo pano dourado, criado (tal como os painéis laterais nas antigas capelas) pela artista plástica Fernanda Fragateiro. A nave central é um espaço polivalente, que pode servir para concertos ou exposições temporárias.

O museu será, disse Luís Abreu Nunes, responsável pelo projecto de conteúdos, uma "porta para a literacia financeira". Embora inclua peças do espólio do Banco de Portugal - para já o único objecto que pode ser visto é a enorme porta da antiga casa-forte onde se guardavam as reservas de ouro do país -, não será um museu "contemplativo", mas antes um espaço interactivo, no qual será contada a história do dinheiro e das trocas no mundo.

A muralha de D.Dinis

Cheira a humidade no corredor por detrás do altar-mor da Igreja de São Julião, na Baixa, onde os arqueólogos trabalham na muralha de D. Dinis, descoberta durante as obras de restauro do edifício-sede do Banco de Portugal. Já se suspeitava que esta antiga muralha da cidade pudesse estar ali, e pouco depois de as obras começarem surgiu a confirmação.

Classificada como monumento nacional, a muralha será agora musealizada e poderá ser vista por quem visitar a igreja/Museu do Dinheiro. A opção tomada foi a de manter um troço de 30 metros, mas sacrificar dez metros de muralha. Esta prolongava-se até ao tardoz da igreja, explicou Artur Rocha. Segundo este arqueólogo que acompanha a obra, no passado o Tejo chegava até aqui, e a muralha foi construída precisamente para proteger a população de ataques vindos do mar. Durante as escavações foram encontrados mais de 100 mil fragmentos cerâmicos, dos períodos islâmico e romano, e ainda um vestígio do Paço Real da Ribeira, que vinha encostar à muralha. E, levantado o chão da igreja, foram descobertos e exumados mais de 300 corpos. "São enterramentos feitos durante o século XIX", afirma o arqueólogo. "Não há nenhuma evidência de enterramentos anteriores ao terramoto." Alguns dos corpos estavam em posições curiosas - uma mulher, por exemplo, foi enterrada com as mãos atrás da cabeça. Curiosa também é a descoberta de um corpo de homem com uma prótese na anca.

Sugerir correcção
Comentar