Pussy Riot: A única banda que interessa este Verão

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As Pussy Riot claramente atraíram a atenção de Putin DR

As Pussy Riot entalaram Putin nos cornos de um dilema: ou o seu Governo condena a banda e aumenta ainda mais o seu estatuto de mártires, ou recua e reconhece que acusar o trio mascarado devido a um cacofónico protesto musical na Catedral de Cristo Salvador que chamou a atenção da aliança da Igreja russa com o regime de Putin terá sido sempre um erro. Três dos cinco membros da banda enfrentam agora a possibilidade de passar sete anos na prisão, o que está a causar um inesperado repúdio internacional. Na semana passada, antes de um encontro com o primeiro-ministro britânico David Cameron, Putin terá admitido que preferia recuar.

Isto é algo que não era suposto acontecer. Para começar, os dissidentes não se dão bem na Rússia "putinista"; depois, o punk rock - o filho ilegítimo, mais sujo, mais esperto e mais irritante do rock"n"roll - normalmente não vence. O movimento punk tem um longo historial de aspirações a rebentar com governos corruptos e autoritários, multinacionais e outras estruturas de poder internacional. Mas não tem um longo historial de sucessos.

Assim, o punk rock decidiu-se por objectivos políticos mais atingíveis, menos globais: normalmente, protestos localizados e atrair atenções e despertar consciências. As Pussy Riot, que ainda há poucos meses eram um grupo obscuro, são agora um fenómeno internacional: as três detidas foram consideradas prisioneiras de consciência pela Amnistia Internacional e a banda tornou-se o ai-jesus dos intelectuais russos, que há tanto tempo sofrem e que agora se juntaram em defesa das três artistas. E se bem que ninguém fale do grupo pela sua música, uma olhadela para a história dos anteriores sucessos geopolíticos do punk rock mostra que as Pussy Riot já os ultrapassaram - e talvez tenham dado ao punk rock um futuro como uma força global para a justiça e a liberdade.

Não demorou muito até o que o punk se afastasse do niilismo sem futuro dos Sex Pistols, o lendário grupo inglês da segunda metade dos anos 70 que basicamente iniciou o punk rock. Os Clash rapidamente viraram a atenção do punk para lutas globais. Joe Strummer, uma das forças criativas dos Clash, colocou o punk rock a cantar acerca da Guerra Civil de Espanha, as classes exploradas da Jamaica, o martírio do poeta de esquerda chileno Victor Jara, e mesmo, num disco intitulado Sandinista!, sobre as vítimas do comunismo soviético e chinês.

Na Irlanda do Norte, os seus contemporâneos Stiff Little Fingers cantaram o aparecimento de um tipo diferente de revolta - a banda chamou-lhe uma "força anti-segurança", dado que o grupo se opunha às milícias locais que apoiavam os britânicos - em Alternative Ulster. O punk fracturou-se em incontáveis subgéneros obscuros e espalhou-se a nível mundial, mas um tema comum manteve-se: resistência face ao poder global arbitrário e brutal, algo que pode ser percebido em todo o lado, desde o punk "crust" dos britânicos Discharge ao hardcore melódico dos canadianos Propagandhi e ao folk abrasivo dos Against Me!, da Florida. O punk canalizou a angústia juvenil para um catecismo antiguerra, antigoverno e anticapitalismo.

Mas essas ambições não alcançaram resultados geopolíticos palpáveis. Talvez o ponto alto da importância geopolítica do punk tenha vindo de uma banda britânica que já tinha deixado para trás o seu período mais criativo de finais da década de 70. Pioneiros de um tipo de punk particularmente agressivo - reconhecível pela militante e imparável batida da bateria -, os Crass definiam-se pela anarquia, pelo pacifismo e pelo humor (por vezes de forma totalmente isenta de humor). Mas foi necessária uma guerra a sério, nas ilhas Falkland, para que os Crass, então já longe do seu período áureo, se metessem em acção. Um single, tipicamente cáustico, perguntava à primeira-ministra Margaret Thatcher, no título, How does it feel (to be the mother of a thousand dead? [Qual é a sensação (de ser a mãe de mil mortos)?] Contra todas as expectativas, chegou ao primeiro lugar do top independente, e levou o deputado conservador Tim Eggar a tentar levar os Crass a tribunal, sob a alçada de uma lei antiobscenidade.

Escapando às autoridades, os Crass engendraram uma partida que prenunciava o sucesso das Pussy Riot. Em 1983, a banda, de forma secreta, cedeu a jornalistas crédulos uma cassete que supostamente revelava uma conversa entre Thatcher e o Presidente norte-americano Ronald Reagan. Parecia confirmar a paranóia esquerdista acerca de ambos os líderes conservadores: discutindo a situação nas Falkland, Reagan parecia aconselhar moderação a uma Thatcher sedenta de sangue; Thatcher punha Reagan a divagar sobre sacrificar a Europa numa disputa nuclear com os soviéticos.

A cassete rapidamente se elevou a incidente internacional. O Departamento de Estado e a CIA afirmaram que era uma manobra de desinformação soviética: "Este tipo de actividade encaixa-se no padrão de falsificações que o KGB soviético faz circular, apesar de normalmente envolverem documentos falsos e não fitas magnéticas", podia-se ler numa declaração oficial do Departamento de Estado. O jornal inglês Sunday Times publicou um artigo intitulado Como o KGB enganou a imprensa ocidental. Após terem marcado a sua posição e os governos terem ficado embaraçados, membros dos Crass admitiram à agência Associated Press que tinham sido eles, e não os soviéticos, os arquitectos do embuste.

Quase 30 anos depois, a agitação já foi esquecida. Os Crass são mais recordados pelos seus dois primeiros álbuns, The Feeding of the 5000 e Stations of the Crass, do que pelas chamadas "cassetes do Thatchergate". Para pessoas como eu, que continuam a levar a sua música demasiado a sério, isso infelizmente diz muito acerca da relevância geopolítica do punk rock.

Desde então, e partindo do princípio que o punk tem objectivos políticos - e tem havido sempre dentro da cena punk um contingente considerável que discorda dessa proposição -, eles têm-se manifestado de duas formas: protesto e desafio local. A lendária cena punk hardcore de Washington nos anos 80 simboliza a primeira forma. No Verão de 1985, um ano que os punks ao longo dos Estados Unidos relembram como o "Verão da Revolução" da capital, punks locais como Guy Picciotto da banda Rites of Spring levaram percussões para a porta da embaixada da África do Sul para incomodar os representantes do regime do apartheid. "Pensámos em injectar alguma espontaneidade", recorda Picciotto, que se sentia insatisfeito com os protestos habituais e repetidos de então.

Jeff Nelson, co-fundador da seminal editora hardcore de Washington Dischord Records, encheu paredes da zona no Natal de 1987 com posters a ridicularizar o procurador-geral Ed Meese. O Ministério da Justiça declarou que a propaganda pública era "ofensiva", a sua origem desorientou o jornal Washington Post. Pouco depois, os Fugazi - a banda seguinte de Picciotto e principal nome da Dischord - dariam concertos no National Mall, parque entre o Capitólio e o Monumento de Washington, denunciando a Guerra do Golfo.

A outra opção tem sido a acção localizada - quer para mudar comunidades locais ou para alterar a forma como as pessoas que são expostas ao punk rock vêem o mundo. Em cada cidade americana que tem uma cena punk - ou seja, em todas as cidades americanas - pode-se encontrar os seus membros em parques, normalmente nos fins-de-semana, a cozinhar comida vegetariana para distribuir grátis a quem vier, ao que juntam panfletos contra a guerra, num ritual político denominado Food Not Bombs.

Em alternativa, outras bandas têm trabalhado para dessacralizar o próprio punk, uma subcultura esmagadoramente branca, masculina e heterossexual. Uma das melhores bandas dos anos 90, Los Crudos, de Chicago, era composta apenas por elementos de ascendência latina e cantavam exclusivamente em castelhano, provocando assim a juventude branca e levando-a a questionar o que é ser um outsider cultural; o seu vocalista, Martin Sorrondeguy, mais tarde fundou os Limp Wrist, um caso raro: uma banda hardcore assumidamente homossexual.

Todos estes esforços significam imenso para os milhões de pessoas cujas vidas têm sido enriquecidas pelo punk, que, no seu melhor, instila uma ética de responsabilidade pessoal e auto-suficiência que os de fora podem achar difícil de conciliar com a estética caótica do punk. (Afinal de contas, quando salas grandes não aceitam que a nossa banda toque, temos nós que construir uma rede de caves e sofás para a digressão.)

Mas não têm significado muito para os temas internacionais - reconheçamos, um objectivo quase impossível para algo que continua a ser um movimento de jovens. Os protestos punk têm-se tornado uma espécie de fim em si mesmos - Protest and Survive, como cantavam ironicamente os Discharge -, uma medalha de mérito para ganhar ou um ritual para os punks protegerem. Nas suas letras, o punk ainda afronta a guerra e as injustiças - Asesinos, dos Crudos, é sobre o apoio dos Estados Unidos aos ditadores da América Central, e continua a impressionar -, mas, como acontece com a maioria dos artistas, o seu impacto geopolítico é marginal. O lema da veterana editora anarco-punk de Minneapolis Profane Existence é - de forma reveladora e de algum modo patética - Making Punk a Threat Again (Tornar novamente o punk ameaçador).

As Pussy Riot poderão não inverter esta tendência. O punk continua a ser essencialmente um fenómeno do mundo ocidental, o que significa, tal como os Propagandhi diziam, que "reconheço a ironia de que o sistema a que me oponho me permite o luxo de morder a mão que me dá de comer". Os punks que na realidade não vivem sob governos autoritários não enfrentam os mesmos riscos que os membros das Pussy Riot. Se o punk rock se mobilizou em força contra a Guerra do Iraque em 2003, editando álbuns para angariar fundos para organizações de activistas e organizando concertos contra a guerra no National Mall, não atraiu a atenção de George W. Bush, as Pussy Riot, pelo contrário, claramente atraíram a atenção de Putin.

Mas talvez seja necessário um punk visionário para efectivamente reconhecer o potencial das Pussy Riot. Na revista de cultura alternativa Dazed & Confused, Tobi Vail disse sobre a banda russa: "O seu método de protesto depende do anonimato. Elas criaram um método de protesto cheio de possibilidades e que pode ser utilizado a nível global, ultrapassando as fronteiras internacionais. Putin pode encarcerar membros do colectivo, mas como pode ele impedir a possibilidade de novos membros se juntarem ou impedir que o movimento se propague para além da Rússia?"

Se há alguém que sabe acerca da criação de um método de protesto repleto de possibilidades e aplicável para além das fronteiras internacionais, esse alguém é Vail, uma das figuras mais inspiradoras que o punk rock já produziu. A banda em que tocava bateria, Bikini Kill, transcendeu as suas raízes punk para se tornar naquele que pode ser considerado o grupo de rock feminista mais importante de sempre. O movimento "riot grrrl" que as Bikini Kill ajudaram a forjar representou uma linha de demarcação para as mulheres que exigiam representação numa cultura underground exageradamente masculina, e rapidamente se expandiu a nível global. As cáusticas apresentações ao vivo das Bikini Kill eram eventos políticos em miniatura. Elas instigaram as mulheres a que ousassem ser quem elas quisessem ser, e exigiram que os homens se confrontassem com os seus privilégios, mais do que se congratularem por serem suficientemente abertos para irem ao espectáculo.

De facto, consideremos aquilo que Vail percebeu. As Pussy Riot actuaram de forma anónima numa igreja de Moscovo, as caras cobertas com balaclavas coloridas. Podiam ser qualquer pessoa, e isso poderá ser a inspiração para as próximas Pussy Riot. Por coincidência, quando o seu julgamento começou, o fanzineMaximumrocknroll, a publicação mais influente do punk, publicou a sua edição de trigésimo aniversário.

O único artigo acerca do impacto que o punk continua a ter a nível internacional debruçava-se sobre as Pussy Riot - um implícito reconhecimento que aquelas três mulheres não apenas envergonharam Putin e apontaram para o seu banditismo, mas também redimiram as aspirações de uma cultura de protesto global.

Spencer Ackerman, ex-baterista em várias bandas punk de que ninguém ouviu falar, é redactor principal na Wired.com, cobrindo a área da segurança nacional

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
Tradução de Eurico Monchique

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