Publicado o último artigo sobre o vírus da gripe das aves modificado em laboratório

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As aves são o repositório natural da gripe: foi nelas que surgiu o H5N1 B.K.BANGASH (AP)

É preciso recuar até 1996 para contar esta história, quando o vírus da gripe das aves H5N1 foi, pela primeira vez, detectado num ganso na China. Um ano depois, vários surtos da doença afectaram criações de aves e surgiu a primeira vítima humana. Desde então, o H5N1 já infectou 606 pessoas e matou 357 em 15 países, desde a Indonésia até ao Egipto, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Esta percentagem de mortes é brutal. Em comparação, a gripe suína H1N1 de 2009 matou 0,01% dos infectados.

É preciso estar-se em contacto próximo com uma ave infectada para acontecer a transmissão aos humanos. O H5N1 está adaptado às aves, nas pessoas só consegue reproduzir-se nos tecidos já perto dos pulmões, causando pneumonias e matando facilmente. Mas não infecta as vias respiratórias superiores e, por isso, não passa entre pessoas por gotículas que estão no ar - a condição necessária para surgir uma nova pandemia.

Em Setembro de 2001, duas equipas conseguiram, em laboratório, transformar o H5N1, de modo a ser transmitido por via aérea entre furões, os modelos favoritos para o estudo da gripe. Meses depois, a equipa de Yoshihiro Kawaoka, da Universidade de Wisconsin, nos EUA, apresentava à revista Nature um dos estudos para publicação, enquanto Fouchier enviava o seu manuscrito à Science, o que causou a maior polémica científica dos últimos meses.

Vários críticos temiam que a descrição das experiências permitisse a produção de armas biológicas ou que um cientista de garagem provocasse a próxima pandemia. As autoridades, nomeadamente dos EUA e da Holanda, pediram que os estudos não fossem publicados. Em Janeiro, as equipas envolvidas neste tipo específico de estudo assinaram uma moratória, para que estas investigações parassem. Houve reuniões com a OMS e só recentemente foi permitido que, primeiro o artigo de Kawaoka e depois o de Fouchier, fossem publicados, com o argumento que estes dados podiam ajudar a combater uma pandemia.

O artigo de Kawaoka saiu em Maio. O de Fouchier é mais arrojado e a sua publicação foi mais ponderada. Enquanto Kawaoka utilizou genes do H1N1, o vírus da gripe suína, para construir o vírus final H5N1 capaz de infectar furões pelo ar, a equipa holandesa provou que é possível atingir o mesmo objectivo só com alterações no vírus da gripe das aves.

"O objectivo foi compreender como é que o vírus da gripe das aves pode passar a ser transmitido entre mamíferos", explicou Fouchier, numa conferência de imprensa organizada pela Science.

Os vírus são compostos por uma cápsula de proteínas que envolve material genético. Quando encontram a célula certa, injectam este material, ligando-se por uma espécie de "antena". Depois, a maquinaria celular é parasitada: multiplica o material genético do vírus e produz as suas proteínas. No fim, novos vírus libertam-se e vão atacar outras células.

No vírus da gripe, esta "antena" é a proteína hemaglutinina (HA). Pode ter variações, como H1 ou H2. No H5N1, são pequenas alterações na hemaglutinina que permitem ao vírus infectar as células das vias respiratórias superiores em mamíferos.

Fouchier e os seus colegas foram olhar para a história das pandemias da gripe. Descobriram três mutações nesta proteína que levaram à emergência destes surtos e experimentaram fazer estas mutações no H5N1.

O resultado não criou um vírus capaz de se transmitir pelo ar entre furões. Por isso, o passo seguinte foi infectar dez furões: infectaram o primeiro com o H5N1 mutado, deixaram a doença desenvolver-se, retiraram uma amostra de vírus e aplicaram-na num segundo furão, e assim sucessivamente. Este método permitiu que o vírus sofresse mutações. Quando chegaram ao décimo furão, os vírus tinham mutações diferentes.

Alguns destes vírus conseguiram infectar outros furões pelo ar. "O H5N1 pode adquirir a capacidade de se transmitir pelo ar entre mamíferos, e mostrámos que o número mínimo de mutações é pelo menos cinco, mas certamente menos do que dez", garante Fouchier. Apesar de o novo vírus transmitido por via aérea não ter morto os furões, ninguém sabe o que acontecerá se um vírus destes surgir na natureza.

Mas há um risco: duas destas mutações já aparecem frequentemente. No Egipto, as 168 pessoas que tiveram gripe das aves foram infectadas pelo H5N1 com uma destas mutações, embora a variação só esteja presente em parte dos vírus nas aves.

Um segundo artigo da Science, que Fouchier também assina, tenta perceber qual é a probabilidade desta estirpe aparecer na natureza. Apesar de poder surgirum vírus pandémico, o estudo não consegue avaliar o grau de risco. É preciso saber mais e aprofundar a vigilância na natureza, para identificar a tempo se estas mutações estão a aparecer. Um dado interessante sobre os trabalhos de Fouchier e Kawaoka é que, mesmo que as mutações necessárias para tornar o H5N1 transmissível entre mamíferos não sejam iguais, causam o mesmo tipo de alterações no vírus. "É ainda preciso fazer muito para conhecer outras alterações [no vírus] que causem o mesmo efeito", disse Colin Russell ao PÚBLICO, outro autor do segundo artigo, da Universidade de Cambridge.

E isto leva-nos à discussão ética que atrasou a publicação dos artigos. Os laboratórios estão parados enquanto houver a moratória. Em Julho, vão discutir-se, em Nova Iorque, as condições a este tipo de ciência, para reduzir os seus riscos, o que poderá então pôr fim à moratória.

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