Os esqueletos mais actuais do país estão a ser coleccionados no Porto

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As ossadas estão a ser recolhidas no Cemitério de Agramonte, no Porto Paulo Pimenta

A colecção de esqueletos identificados está a ser criada pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), num projecto de investigação chamado BoneMedLeg financiado em 100 mil euros pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e apoiado pela delegação do Norte do Instituto Nacional de Medicina Legal e pela Câmara do Porto.

Hugo Cardoso, antropólogo e investigador do Departamento de Medicina Legal da FMUP, é o responsável por este projecto e usa várias vezes a imagem de "uma ossada encontrada numa mata" para explicar os objectivos do trabalho. Esta colecção de esqueletos, acredita, será mais uma ferramenta útil no difícil processo de identificação do corpo de um desconhecido e do qual só resta um esqueleto. O procedimento mais comum quando se encontra a tal ossada numa mata é tentar identificar o sexo, a idade e a estatura com uma série de técnicas - tudo muito longe do mundo de ficção científica da série de televisão Ossos, sublinha o investigador. Apesar de confessar que não é fã da série onde tudo se descobre a partir de um conjunto de ossos, Hugo Cardoso desmonta a ilusão: "Usam meios e tecnologias que não existem e que só são possíveis no campo da ficção. Um dos métodos de identificação que mais usam é a reconstrução facial, que é, para os especialistas, o mais falível e o último recurso."

Na vida real, alguns dos métodos usados na identificação baseiam-se em valores de referência recolhidos noutras colecções de esqueletos identificados, ou seja, associados a dados biográficos. Actualmente, para essa comparação os especialistas recorrem muitas vezes aos registos e colecções norte-americanas. Por cá, as mais conhecidas colecções de esqueletos - no Museu Nacional de História Natural, em Lisboa, e no Museu Antropológico da Universidade de Coimbra - estão desadequadas ao uso para a medicina legal. A de Lisboa, nota Hugo Cardoso, reúne 1700 esqueletos - sobretudo crianças - do início do século XX. A de Coimbra, com 600 exemplares, é mais antiga, remontando ao final do século XIX. "Há diferenças nas características biológicas desses esqueletos quando comparados connosco", refere Hugo Cardoso, apontando por exemplo para as alterações da população relativas à estatura (estamos mais altos). A colecção do Porto pretende reparar esta lacuna e, por isso, vai reunir esqueletos mais recentes, com cerca de 30 anos. Para já, foram recolhidos cerca de 40. O objectivo é chegar aos 200 em três anos.

Serão feitas duas colecções: uma com ossadas do cemitério e outra com peças ósseas e dentárias recolhidas nas autópsias do Instituto Nacional de Medicina Legal. Os dados servirão para obter amostras representativas de trauma ósseo e elementos úteis para a identificação da idade e do sexo, entre outras informações. "A principal motivação deste projecto foi a falta de amostras de referência actuais em Portugal e noutros países", bem como a "oportunidade de testar os métodos actuais de identificação e perceber se funcionam bem e como os podemos melhorar", diz o investigador.

As colecções deverão servir sobretudo para investigação, mas Hugo Cardoso admite a possibilidade de as usar para fins pedagógicos (cursos e acções de formação), bem como abrir o laboratório às escolas para mostrar o que se faz ali e como se faz. Por outro lado, este trabalho poderá ainda ter um interesse sociológico e há ainda a hipótese de expor estes esqueletos juntamente com os objectos pessoais que acompanhavam alguns deles. "O que encontrámos foram sobretudo terços. São artigos que podem ajudar a explorar a forma como as pessoas lidam com a morte."

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