Gorongosa, lugar do silêncio
Dias de deslumbre no Parque Nacional da Gorongosa, que já foi palco de um dos mais sangrentos cenários de Moçambique. Populações inteiras de animais selvagens quase desapareceram. Agora, recupera o fulgor.
O homem magro, de testa enrugada, não largava a espingarda. Nem quando se encostava a um canto e apoiava a cabeça no braço direito. Dir-se-ia que se esforçava para manter os olhos abertos, mas não deixava de captar tudo o que se passava em volta. Também "vê" com os ouvidos e com o nariz. Mesmo noite cerrada, percebe a proximidade de uma manada de búfalos silenciosos.
Não é que Njinga desvalorize os riscos. É que conhece bem a fauna bravia do Parque Nacional da Gorongosa. Refugiou-se aqui da guerra civil de Moçambique. Comia raízes, frutos silvestres, carne de ratazana, cágado, inhala, piva, impala. "Não comia massa. Só coisas do mato. Tinha uma roupa caducada. As pessoas deitavam fora. A gente apanhava no rio, levava, cosia, punha. Só à frente. Atrás ficava sem nada."
Há qualquer coisa de esmagador numa extensa zona que a humanidade visita, mas não ocupa. É o "meio do nada". O lugar do silêncio, de quando em quando, cortado por um vozear estranho - o rosnar de um leão, o grasnar de uma águia, o bramir de uma impala, o mugir de um búfalo, o chorar de um crocodilo, o trombetear de um elefante, o grunhido de um porco do mato ou o guincho de um macaco.
Dispenso, de muitíssimo bom grado, o silvar de qualquer cobra e o zunido de qualquer mosquito. Fora isso, paz.
Saíramos cedo do acampamento sazonal montado no centro do parque. Era uma daquelas manhãs luminosas que abrem a estação seca. Do jipe, seguindo a picada, víramos cudo, pala-pala, inhala e outros antílopes que não fogem mas que se afastam ao ouvir o ronco do motor, como se quisessem salvaguardar as devidas distâncias do mais perigoso bicho. De súbito, leões a acasalar. Deixámo-nos estar, talvez uma hora, a observá-los.
Não sei como seria a Gorongosa antes de, "menino e moço", Njinga ter sido levado da palhota de seus pais e forçado a pegar numa arma. Posso ter uma ideia, por exemplo, lendo o que sobre ela escreveu, na sua Ronda de África, Henrique Galvão, em 1948: "Em todos os percursos [se podem] admirar as multidões de antílopes em corrida ou em alertas estatuários, as manadas portentosas de búfalos, as fugas destrambelhadas dos macacos, as galopadas das zebras - e, com frequência, levantar leões das suas camas, surpreender leopardos, ouvir os elefantes na sua faina de lenhadores e ver os hipopótamos em concentração que é decerto a mais densa e numerosa do mundo."
Naquele tempo, o extremo sul do Grande Vale do Rift Africano não era bem um éden de vida selvagem. A Gorongosa começou por ser uma reserva de caça de administradores da Companhia de Moçambique. Em 1941, finda a concessão, o Governo colonial tentou banir as caçadas e criar uma estância turística. Só em 1960 a declarou parque nacional. No final dos anos 1960, a equipa do ecologista sul-africano Kenneth Tinley fez a primeira contagem aérea: 200 leões, 2200 elefantes, 14 mil búfalos, 5500 bois-cavalos, três mil zebras, 3500 pivas, duas mil impalas, 3500 hipopótamos.
À Gorongosa vinha gente de muito lado. Não só pela quantidade de animais. Também pela beleza paisagística. José Maria d' Eça de Queiroz, neto do escritor maior, registou-a quando a visitou em 1964. "A Gorongosa é como o mar: sempre igual e sempre diferente. Existem centenas de mares no mar; na Gorongosa a estepe tem uma centena de estepes e a savana uma centena de savanas."
Depois, vieram as guerras. A primeira, a da independência, poupou a reserva; a segunda, a civil, não.
Renamo, Frelimo, paz
Quem me falara na Gorongosa fora a minha amiga Irene Grilo: um dos lugares da sua infância estava a recuperar de sistemáticas matanças. Incansável defensora dos direitos dos animais, agente de viagens especializada em safaris, queria ver como estão as espécies a reagir, que estruturas existem para receber visitantes e de que forma tudo isso se relaciona com as comunidades locais. Volvidos alguns meses, ali estávamos nós, num todo-o-terreno conduzido por Blessed, um guia que não lhe caiu bem, sob o olhar de Njinga, um guarda que lhe inspirava grande confiança.
Njinga nasceu em Cheringoma, distrito da província de Sofala, que faz fronteira com a Gorongosa. Aos 14 anos foi levado pela Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) - pouco depois da independência, ex-militares portugueses e dissidentes da Frelimo tinham-se instalado na Rodésia e lá criado aquele movimento; com a independência do rebaptizado Zimbabwe, assentaram arraiais na África do Sul e, com o Acordo de Nkomati, em 1983, ergueram o quartel-general, a Casa Banana, no sopé da serra da Gorongosa. Era um bom sítio para escapar à observação aérea.
A vida tornou-se infernal para os homens e para os animais selvagens que ali viviam. O parque foi encerrado.
Na muita papelada que imprimira para ler durante a viagem, havia um livro do politólogo Jaime Nogueira Pinto sobre a guerra civil. Nele aparece o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, a descrever o modus operandi: "Actuávamos em grupos muito pequenos, dispersos pela serra, com grande conhecimento do terreno, e eles pensavam que nós éramos como que espíritos da serra da Gorongosa, que estávamos em todo o lado ao mesmo tempo. Um só homem nosso podia fazer muitos estragos no inimigo naquele teatro de operações!".
Rapazes como Njinga eram treinados para improvisar. Sobreviviam com muito pouco. Não usavam farda. Vestiam t-shirt e calças de ganga ou fazenda. Só alguns calçavam sapatos ou botas. Njinga lembra-se de haver 30 quilos de farinha para 500 homens. Odiava aquilo. Fugiu com um amigo. Ainda passou por casa. "‘Papá, eu não vou mais àa Renamo, vou viver no mato. Eu sou pessoa. Meus irmãos já morreram. Eu quero ficar vivo.'"
Viveram cinco anos no mato. Fizeram uma casa numa árvore para melhor se protegerem de leões e de outros predadores. Dormiram lá dois anos. As temperaturas, à noite, podem cair a pique. "Estávamos a sofrer muito com o frio. Construímos uma cabana na floresta." De meses a meses, noite cerrada, Njinga ia à palhota da irmã. Foi ela que lhes deu a notícia: Renamo e Frelimo tinham assinado a paz.
Os dois rapazes não eram excepção. Nos últimos anos de confrontos, muita gente se tinha refugiado dentro do parque. Havia quem caçasse só para comer, mas também quem caçasse para extrair o marfim aos elefantes e trocá-lo por armas. As maiores matanças aconteceram entre 1992 e 1994. Houve descontrolo total desde a assinatura do Acordo Geral de Paz às primeiras eleições multipartidárias, que reconduziram Joaquim Chissano. Do parque, saíam umas 60 toneladas de carne por mês.
O Banco Africano de Desenvolvimento, com o apoio da União Europeia e da União Internacional para a Conservação da Natureza, tentou resgatar a reserva. Os meios revelaram-se escassos para uma tão desmesurada tarefa: populações de animais de grande porte estavam reduzidas a 10% ou menos; o acampamento de Chitengo, construído na era colonial, estava desfeito. Homens como Roberto Zolho e Baldeu Chande passaram anos em tendas a tentar salvar o que restava.
O charmoso veterinário
Quando o Governo e a Carr Fundation combinaram restaurar a Gorongosa, em 2004, era preciso captar cientistas, engenheiros, gestores, fiscais. Dezenas de ex-combatentes foram contratados. Njinga pediu para o ser. E foi. É um fiscal do Parque Nacional emprestado à primeira concessão privada, a Explore Gorongosa (ver texto nestas páginas).
Gostava muito de o ter, no banco de trás do jipe, nas incursões pelo mato, ao princípio da manhã ou ao final da tarde (nas horas mais quentes, os animais abrigam-se). Sentia-me segura. E segura perdi a conta aos animais que vi - perto das picadas ou longe e, nesse caso, de binóculos para não os tomar por mancha animada.
Estava maravilhada. Queria ir para lá da mil vezes contada história do milionário norte-americano Greg Carr, que decidiu investir 40 milhões de dólares na restauração da Gorongosa. No Chitengo, estava o informadíssimo Vasco Galante, português, director de comunicação. Onde estava o charmoso veterinário que aparecia no documentário, da National Geographic, Africa's Lost Eden?
A Irene queria muito conhecer Carlos Lopes Pereira. Queria dar-lhe um abraço, expressar gratidão pelo trabalho feito, mas o director dos serviços de conservação acabara de ser promovido a assessor técnico do Governo para todas as reservas e parques naturais de Moçambique: não estava. Haveríamos de encontrá-lo em Maputo e de ouvi-lo contar como desistira de ir para o Botswana e ficara em Moçambique por metade do salário. "Era um grande desafio técnico."
A equipa delineou um plano para recuperar fauna bravia, reconstruir infra-estruturas, fomentar o desenvolvimento económico. O número de fiscais duplicou - alcançou os 120. Criou-se um santuário de vida animal. Previu-se fazer reintrodução massiva, recorrendo ao Zimbabwe. "A situação política não dava", recordou o homem alto, de barba grisalha, botas de montanha, roupas de cores neutras, adequadas ao mato. "As pessoas querem fornecer os animais. Pagamos por eles, mas, quando chega a hora, a licença de exportação, por razões que ninguém percebe, não chega."
Não podiam ficar dependentes da situação política no Zimbabwe. Quem sabe quando se alterará? O Kruger Park, no Nnorte da África do Sul, estava a terminar um programa de reprodução de búfalos livres de tuberculose e tinha de dar destino àqueles animais. Carlos Lopes Pereira foi lá dizer-lhes que o lugar certo era a Gorongosa.
Em Agosto de 2006, vieram os primeiros 54. Havia um risco: a doença transmitida pela mosca tszé-tszé, coisa que os búfalos do Kruger desconhecem há cem anos. O médico veterinário preparou-se para intervir. Não foi necessário. Continuavam resistentes. E os búfalos abriram caminho aos elefantes.
Os grandes machos quase tinham desaparecido da Gorongosa. Só havia elefantes com dentes pequenos ou sem dentes. Em 2008, vieram dois machos mais velhos e quatro machos mais jovens, escolhidos a dedo, a pensar na regeneração do fundo genético da população que fora massacrada durante anos.
Se fosse hoje, não traria os mais velhos. "O elefante não é um animal comum - pensa, investiga, reage. Os jovens eram meios medrosos. Andavam perto das manadas, mas não se integravam. Depois, lá conseguiram. Os mais velhos punham-se a andar para a frente e para trás como qualquer macho."
Usavam colares transmissores de sinal via satélite. Era assim que a equipa conseguia saber a suamonitorizar a sua posição. Carlos Lopes Pereira até coçava a cabeça ao perceber como se afastavam da reserva. Um chegou a estar a 279 quilómetros do parque. "Lá descobriu a rota dos elefantes. Foi para o rio Zambeze e voltou. E tornou a ir. E foi o azar dele. Houve uns indivíduos que o apanharam."
Os caçadores furtivos tentaram destruir o colar. Carlos Lopes Pereira notou o movimento anómalo. Pediu ao centro de controlo o número de emissões do sinal. Preparou-se para avançar de helicóptero, à procura do animal. De repente, viu uma linha recta em direcção à cidade da Beira. Não podia ser o elefante. Inseriu as referências geográficas no Google: o colar estava dentro de uma casa.
Eram dois caçadores: um francês e um português. "Apanhámos os indivíduos com a mão na massa. Apanhámos os restos do nosso elefante, apanhámos uma ponta que tinha 3,75 metros de um elefante que tinha sido abatido na Zambézia, apanhámos troféus, armas ilegais, munições, uma coisa impressionante."
O outro também teve um fim trágico. Afastou-se do parque por causa dos incêndios, que na Gorongosa são capazes de queimar macacos nas árvores. Caminhou em direcção ao sul. "Nós tentamos trazê-lo de volta e ele acabou morrendo numa combinação de inalação de fumo e stresse de transporte."
Agora, a ideia, é trazer uma família inteira. Os elefantes são muito sociáveis. Vivem em famílias que incluem uma matriarca idosa, vários descendentes e suas crias. Amiúde, diversas famílias partilham um território. Quando se encontram em poços ou no mato, cumprimentam-se com as suas trombas.
São grandes bebedores de água. Para os ver na Gorongosa, melhor será seguir a picada que se estende ao longo do rio Urema. Uma pista: mato alto pisado e ramos e troncos de acácias amarelas partidos. Mas há que manter distância. Há quem diga - veja-se o documentário War Elephants, protagonizado por Bob Poole e Joyce Poole - que sofrem de traumas de guerra. É ajuizado evitar picadas muito fechadas ao anoitecer. Só nos deparamos com eles quando já estamos muito perto e eles não gostam.
Chitas incompetentes
Houve outras aparatosas reintroduções de animais selvagens. Vieram 180 bois-cavalos do Limpopo. Vieram mais 132 búfalos (- 31 do Limpopo e do, 54 do Kruger, outros 47 do Kruger),. Vieram cinco hipopótamos do Isimangaliso Wetland Park, . Vieram quatro chitas da Nodgagi Conservation.
Cada animal desempenha o seu papel na natureza. Os búfalos, por exemplo, têm uma língua comprida que lhes permite comer ervas grandes e espessas evitadas por outros animais de pasto. E isso ajuda os outros animais a aceder a ervas mais baixas e a descobrir os caminhos para a água.
Já ninguém pensa em fazer reintroduções maciças no Parque Nacional da Gorongosa, como nos primeiros tempos. Surpreendidos com a recuperação registada entre 2004 e 2007 em várias espécies, como piva, chango, javali africano, os peritos redefiniram estratégias. O parque já se gaba de ter das maiores populações de papa-palas, gondongas e oribis. Boa notícia para os predadores, como as chitas.
Vimos uma chita macho a andar, sozinha, no verde da savana. Morreram duas das quatro que para ali vieram: uma no transporte, outra na caça. "Meteu-se com uma imbabala", explicou Carlos Lopes Pereira. "As imbabalas são animais muito sérios. Lutam. Essae chita... não sei o que lhe deu para ir à procura de imbabalas. Enquanto esteve a ser alimentadao, no santuário de fauna bravia, comeu impalas!"
Apesar de selvagens, as chitas viveram algum tempo em cativeiro. Estavam "meio incompetentes." O que lhes valia era as presas também sofrerem de inaptidão. Não havia ali predador tão veloz. Que outro animal terrestre consegue atingir 120 km /hora? O veterinário encontrou-os mortos. "Estavam um ao lado do outro e o irmão a olhar. Nem sequer comeu. A vida real é esta. O resto é poesia."
Eu diria que foi poesia que tivemos. Vimos leões dois dias seguidos. E não haverá nada que dê tanto prazer à minha amiga Irene como a presença dos maiores felinos de África, que ali têm uma juba mais curta do que o habitual - um mistério que intriga quem, como ela, tanto se preocupa, uma das muitas razões para voltar a esse lugar co-gerido pelo Governo de Moçambique e pela Carr Fundation. "É um dos sítios mais selvagens de África", assegura. "Tem um ecossistema muito variado e muito bonito." Uma savana de copa fechada a que chamam "miombo," palavra suaíliwahili que nomeia a árvore preponderante, cobre os dois planaltos. No vale, capim polvilhado de acácias altas, diversos géneros de savana, florestas secas, charcos. Na serra, florestas tropicais, capim de montanha, floresta de galeria. "A ida à serra é imperdível." Até para se perceber como tudo, no mundo, se relaciona.
A Fugas esteve na Gorongosa a convite da Into África Viagens e Safaris Lda.
Guia prático
Quando ir
Há cerca de 100 quilómetros de picadas a partir das quais se pode observar a flora e a fauna bravia - só na época seca (Abril a Novembro). Durante a época das chuvas (meados de Dezembro a meados de Março), as picadas ficam intransitáveis.
Como ir
Há voos directos de Lisboa para Maputo e para Joanesburgo e de lá para a Beira. O Parque Nacional da Gorongosa fica a cerca de 200 km da Beira. Se decidir conduzir, tenha em conta que não se vende combustível na reserva: as bombas mais próximas ficam em Inchope, Gondola, Beira, Dondo, Nhamatanda, Chimoio, Caia e Vila da Gorongosa. Pode usar a Estrada Nacional Número 1 de Maputo ou a Estrada Nacional Número 6 da Beira. O seu anfitrião também poderá organizar um transfer do aeroporto.
Onde Ficar
Acampamento Explore Gorongosa
O acampamento, sazonal, luxuoso, está montado no coração da reserva. Iniciativa sul-africana, a primeira de ecoturismo no Parque Nacional da Gorongosa, proporciona uma autêntica vivência de isolamento no mato. Não tem electricidade, água corrente, rede de telemóvel ou Internet. A lotação está limitada a sete tendas e uma casa na árvore. Cada tenda tem uma cama de casal king-size ou individual extra-comprida. Ao lado, uma casa de banho com um chuveiro artesanal. O alojamento abarca todas as refeições, incluído lanche a meio da manhã e a meio da tarde, safari, com guia, de manhã e à tarde, de jipe ou a pé: 582,4€ por pessoa/noite num quarto single ou 388€/pessoa noite em quarto duplo.
Girassol Gorongosa Lodge & Safari
O histórico Chitengo, construído em 1941, está a ser restaurado e ampliado por um grupo português. Para já, oferece três tipos de alojamento: nove bungalows standard (18 quartos duplos), seis premium (12 quartos duplos), com rede mosquiteira, casa de banho, ar condicionado; e seis garden rooms, que, em vez de ar condicionado têm ventoinha de tecto. O rebaptizado Girassol Gorongosa Lodge & Safari tem um bar e um restaurante, que tem wi-fi e serve pequeno-almoço, almoço e jantar (cozinha moçambicana e cozinha internacional). E disponibiliza programas pagos à parte: safaris (manhã e tarde), visitas à Comunidade do Vinho (travessia de barco incluída), à cascata de Morumbodzi, na Serra da Gorongosa, e a Bué Maria ao pôr-do-sol.
Estadia, com pequeno-almoço:
Preços de 1 de Janeiro a 30 de Junho/ 1 de Julho a 31 de Dezembro
Bungalow standard - 94,4 € (individual); 118€ (duplo)/ 104€ (individual); 130€ (duplo)
Bungalow premium -104€ (individual); 128€ (duplo)/ 114€(individual); 140€ (duplo)
Garden room - 70€ (individual); 94,4€ (duplo)/ 77,6 €(individual); 104€ (duplo) Actividades:
Safari: 20,8€ adulto/10,8€ criança
Comunidade do Vinho: 9,6€
Pôr-do-sol em Bué Maria: 16€
Cascatas de Morumbodzi: 56€
Parque de campismo
É a mais barata opção do Girassol Gorongosa Lodge & Safari: parque de campismo sanitárioscom casas de banho, balneários, tanques de lavar roupa, churrasco, espaço coberto para convívio, o que custa entre 40 a 61€ por dia. Pode fazer qualquer uma das actividades pagas à parte. Se quiser fazer safari com o seu próprio carro, pode aprender ali mesmo regras de segurança. Convém é que o seu carro tenha tracção às quatro rodas e boa distância do solo ao chassi.
Mais informações:
Parque Nacional da Gorongosa
www.gorongosa.net
Tel. (+258) 82 0050253
E-mail:cntact@gorongosa.net
Into África Viagens e Safaris, Lda
Tel. 252 671290/ 918 194 301
E-mail: info@proafrica.com
www.proafrica.com
O mundo em volta
A Comunidade do Vinho é uma espécie de laboratório. Nela se experimenta tudo o que se quer fazer nas comunidades em torno da reserva. Ganhou uma escola, um posto de saúde, uma associação de mulheres produtoras de vegetais, que, por ora, só têm um cliente: o restaurante de Chitengo. Levam tudo até ao rio Pungué: tomate, alface, repolho, feijão, abóbora, melão, cenoura, pimento, coentros. Um barqueiro liga as duas margens. O responsável pelas compras aguarda-as, no outro lado, num jipe.
Há uma energia nova nas comunidades que rodeiam o Parque Nacional da Gorongosa. Domingos Muala, do departamento de desenvolvimento humano, nota-a. "Antes, só os fiscais e suas famílias se identificavam com o parque. Durante o tempo colonial, as pessoas foram forçadas a deixar o espaço para os animais. Aquele forçar criou rancores. Além de perderem o espaço, os lugares sagrados onde os avós foram enterrados, não ganhavam nada. O rancor está sendo sarado agora."
O desenvolvimento local é um dos pilares do Projecto de Restauração da Gorongosa. No início, reinava a descrença. Domingos Muala alfabetizou uns quantos, ensinou português a muitos mais, inglês a uns poucos. Centenas foram contratadas pelo parque ou pelos concessionários. "Agora, há muita gente com casas, motorizadas, telefones celulares, coisas que antes não tinham sonhado ter." E o projecto tem captado parceiros para construir escolas e unidades de saúde.
Mesmo optimista, o professor não tem ilusões. "Há muitas pessoas sem poder de compra que continuam a pensar no parque como o sítio onde vão buscar a carne porque querem mandar o filho à escola ou à universidade. E o que queremos é que ninguém mate os animais. Daqui a 20 e tal anos, quando já forem muitos no parque, então as comunidades poderão caçar, mas de forma organizada."
Não se pode pensar a preservação da fauna bravia sem integrar a flora ou os rios. Os métodos de cultivo tradicionais, baseados no corte e na queima, depressa degradam os solos, a fauna, a flora. Devagar, o parque tenta contrair essas práticas. "Ensinamos as pessoas a fazer adubo com material local. No fim da colheita, em vez de pôr fogo, as famílias podem cortar e deixar apodrecer. Se este ano numa porção produziram milho, era bom que noutro ano produzissem feijão."
O projecto financiou às mulheres da associação a compra e instalação de uma bomba, de um reservatório de água e um sistema de irrigação gota-a-gota. Domingos Muela vê ali um exemplo de sucesso. "Para além da machamba comum, cada senhora criou a sua própria machamba."
Encontrei a presidente da associação uma manhã, junto à escola da Comunidade do Vinho. "Não costumam vender tudo", traduziu o guia. "O restaurante precisa de repolho. Elas recolhem 10, eles pedem seis. O resto apodrece." E isso é um desconsolo para elas, que ainda não aprenderam a dividir ou a transformar as sobras.
Há qualquer coisa de perverso nesta melhoria de vida. "As pessoas que trabalham no parque têm mais esposas do que antes", diz Corina Clemente, técnica de saúde pública que está a coordenar um projecto de saúde e ambiente. "A primeira coisa que faz um homem quando tem mais rendimentos é ter mais uma esposa, mais filhos." E a sobrepopulação é uma das maiores ameaçadas à biodiversidade.
Há um esforço de formação de agentes polivalentes elementares de saúde. Brigadas móveis devem começar a visitar comunidades a um ritmo mensal, com um enfermeiro a fazer planeamento familiar, consulta pré-natal, despistagem e aconselhamento de VIH, tratamento de diarreias, malária e outras doenças.
A sobrepopulação devasta a floresta, acentua os conflitos entre humanos e fauna bravia. De quando em quando, um crocodilo apanha alguém a cruzar o rio Pungué. Também há incidentes com elefantes, sobretudo onde antes andavam. O parque estende-se para lá do rio, que ali tinha dois braços: um secou e as pessoas apoderaram-se dele. Machos que querem ganhar peso vão lá. Se as plantas estiverem pequenas, até têm cuidado para não as pisar. Quando estão no ponto comem-nas. E é o desespero de quem perdeu mangas, milho ou bananeiras.