Alkantara Festival mostra efeitos das regras no teatro contemporâneo

Foto
"Cheats", de Schwalbe DR

Os espectáculos que o Alkantara Festival apresenta esta quinta-feira são duas formas de pensar sobre a ideia de liberdade dentro de um espectáculo. A liberdade do espectador no caso de The Quiet Volume (Sala de Leitura da Biblioteca Nacional, até dia 09, vários horários), e a do intérprete, no caso de Perform on their own (Museu da Electricidade, quinta e sexta-feira, 21h30). Em ambas as situações, o que está em jogo é um princípio de equilíbrio entre a narrativa ficcionada enquanto objecto de atracção, e a narrativa quotidiana enquanto realidade que gere a presença da ficção no seu dia-a-dia.

Ant Hampton, que assina, com Tim Etchells, o chefe de fila do colectivo inglês Forced Entertainment, diz que The Quiet Volume é "um modo de partilhar uma experiência a partir de um mapa de instruções que procura articular uma série de referências que temos como adquiridas".

Ant Hampton, artista plástico, encenador e dramaturgo inglês fala de uma instalação feita a partir de um conjunto de indicações dadas, numa gravação colocada num iPod, por um narrador (voz de Pedro Penim, do colectivo português Teatro Praga), onde o espectador é, ao mesmo tempo, leitor e performer.

Durante 50 minutos, a narrativa salta das páginas dos livros e volumes nas estantes para cada gesto de cada investigador que esteja sentado nas mesas da biblioteca. E para os nossos.

Ao telefone depois de o PÚBLICO ter feito a experiência, Ant Hampton diz que na base esteve "a ideia do corpo em construção, como se fosse um livro em permanente leitura": "Há um conjunto de aspectos que damos por adquiridos quando lemos, mas um dos aspectos fundamentais desse processo é acústico. Existe uma voz na nossa cabeça, que por vezes nos guia."

A voz materializa-se agora numa performance que tem como questão central "a noção de absoluto controlo que o espectador tem sobre o que lê e faz".

Poderá parecer estranho quando The Quiet Volume nos sujeita a um conjunto de regras e preceitos, mas Hampton diz que "o objectivo é deixar que o público sinta a liberdade para se deixar ir". Por entre as páginas da história, através das imagens que constróis, lidando com as decisões que toma a cada indicação dada, gerindo a presença do outro anónimo com quem se partilha a mesa de leitura.

A instalação, que tem sido adaptada para diferentes bibliotecas, ganha aqui a sua versão em português, usando como ponto de partida o texto de Hampton e Etchells mas entrando, depois, em estreito diálogo com passagens de Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago (os outros autores são Kazuo Ishiguro e Agota Kristof). "Há em Ensaio... algo sobre a evasão da memória que nos interessava explorar, e que nos leva à imaginação e ao poder que com isso está implícito", explica Hampton.

Tem também a ver com poder e imaginação - e muito sobre corpo em acção, observação e construção - o primeiro de dois espectáculos que o colectivo holandês Schwalbe apresenta no Alkantara (dias 28 e 29 mostram Cheats, no Maria Matos).

Perform on their own, é uma peça de energia atípica, ensaiando um diálogo de transferência entre a experiência do performer e a do espectador. Aqui são os intérpretes que se sujeitam a um apertado sistema de regras, forçando-se a provar que a autenticidade que reclamam para o seu discurso, é consciente da herança dos happenings e das experiências de colectivo que, com o tempo, passaram das margens para o centro das programações.

Em bicicletas que geram energia, sendo detonadores da(s) acção(ões), os vários actores exploram as consequências de um teatro politicamente correcto, anónimo e linear. E mostram, não sem causar divisões radicais, de que forma é possível contradizer a arbitrariedade com que se tem vindo a desenhar muita da jovem criação contemporânea.

Sugerir correcção
Comentar