Tínhamos deixado Mia Hansen-Løve com o O Pai das Minhas Filhas, que cruzava com inteligência e algum punch o tema do luto e um olhar sobre o caos permanente que é o esforço para fazer cinema “de autor” na Europa contemporânea (era um filme, recorde-se, inspirado na figura do produtor Humbert Balsan).
Hansen-Løve, mau grado a ressonância nórdica do seu nome, é uma parisiense de 30 anos (nasceu em 1981), que paulatinamente, entre o apoio da crítica e a exposição em festivais, se tem vindo a firmar entre os principais cineastas de uma nova “geração” do cinema francês. Um Amor de Juventude é o seu terceiro filme, e talvez o mais arriscado - embora não o melhor (continuamos a preferir O Pai das Minhas Filhas).
Mais arriscado, porque arrisca território mais etéreo, em termos temáticos e descritivos: o lendário “primeiro amor”, adolescente, volátil, problemático, rumo a uma superação que corresponde a um igualmente clássico processo de amadurecimento e entrada numa idade adulta (não por acaso, o filme acaba com planos de um rio, como que entregando a sua personagem principal àquilo que, com metáforas e sem elas, é o “curso da vida”).
Naturalismo tradicional e nervoso (mas mais tradicional e menos nervoso do que no filme precedente), actores que brilham pela imanência e pela maneira como habitam os planos de uma maneira que faz o físico preceder sempre a sua composição psicológica. Lola Créton, a miúda protagonista, vai, é o mínimo que se pode dizer, muito bem: presença um bocadinho indomável, tanto quanto - no feitio, nas birras, na volatilidade quase “rohmeriana” - à beira de se tornar vagamente insuportável, o que é uma relação procurada pelo filme, sendo certo que Hansen-Løve não procura, simplesmente, “empatia” (ou não procura, melhor dizendo, uma empatia simples, antes quer deixar imenso “grão” entre a personagem e os espectadores). Já vimos análises críticas de “Um Amor de Juventude” evocarem a sombra dos Chapéus de Chuva de Cherburgo de Jacques Demy, justamente a partir desta mescla de doçura e violência sentimental.
Parece-nos mais pertinente, e dando de barato que Hansen-Løve trabalha um fio herdado da tradição do cinema francês moderno, a lembrança de Truffaut, que encontrou no “triângulo” a figura ideal para tratar o tipo de volatilidade amorosa que Hansen-Løve também “triangularmente” trabalha, mas sobretudo porque a jovem cineasta ensaia essa espécie em desuso, o filme “epistolar” (as cartas que o namorado envia da sua excursão americana), numa espécie de confessionalidade incerta onde o registo escrito funciona também como um comentário sobre o filme e as acções das personagens - pensamos menos em Jules et Jim do que no seu “primo”, As Duas Inglesas e o Continente. Claro que estamos bem longe da mise-en-scène precisa, austera, sem nada de casual, do melhor e mais severo Truffaut. Em abono de Mia, diga-se que ela parece perseguir, justamente, a casualidade, deixar as coisas dispersarem-se ou dissiparem-se numa névoa indefinida - ou na água de um rio. Não o faz completamente mal.