“Austeridade obsessiva” põe em causa 37 anos de democracia
Excesso de austeridade imposto pelo Governo levará Portugal a uma situação semelhante à da Grécia. Em entrevista ao P3, Pedro Delgado Alves defende que PS está unido e que é uma oposição forte
O secretário-geral do PS, António José Seguro, defendeu, na segunda-feira, a aplicação de uma "austeridade inteligente". Que austeridade é esta?
Aquilo a que se referia o secretário-geral é que ainda que tenha de haver austeridade, que tenha de haver medidas restritivas orçamentais, temos de ser inteligentes na área que escolhemos para fazer essa redução. A austeridade inteligente é aquela que não asfixia os serviços públicos essenciais. O excesso de austeridade imposto pelo actual Governo, para lá daquilo que é exigido pelo memorando de entendimento, acaba por ser contra-producente, porque acaberemos por cair numa situação igual àquela em que a Grécia sentiu.
No seguimento dessas mesmas declarações, Jerónimo de Sousa pediu ao PS que clarificasse “se quer ser da situação ou ser da oposição”. Como avalia o desempenho do seu partido enquanto oposição a este Governo?
As declarações de Jerónimo de Sousa são redutoras e maniqueístas. Há um grau de complexidade muito grande na situação que atravessamos e portanto dizer que ou se está com os bons ou se está com os maus é redutor. Por um lado, o PS reconhece que no momento em que nos encontramos dificilmente se consegue mudar o rumo no local onde deve ser mudado, que é no plano europeu. É necessária uma outra visão para a Europa, mas não é um caminho que seja acessível no imediato. Mas o memorando de entendimento não é uma cartilha para aproveitar para desconstruir tudo o que nos últimos 37 anos se conseguiu de positivo. Em grande parte é o que o Governo tem feito. Usa o memorando de entendimento para conseguir impor o seu programa completamente desconexo com aquilo que seria uma solução para sairmos da crise.
Acha, então, que o PS tem sido uma oposição forte.
O PS tem feito propostas muito concretas. Anda incansavelmente a procurar que o Governo assegure um empréstimo junto do Banco Europeu de Investimento, no valor de cinco mil milhões de euros, que permita dar alguma liquidez às empresas, para que estas não se sufoquem. O memorando de entendimento é um espartilho que não é por nós desejado, mas entendemos como um mal necessário para ultrapassar as dificuldades. No plano europeu, as diferenças entre PS e PSD são abissais. A estratégia do senhor primeiro-ministro está, infelizmente, completamente alinhada pela estratégia definida pela chanceler alemã e pelo presidente francês.
Mas a ajuda externa acabou por ser pedida ainda no mandato socialista, com José Socrates. Como vê esse momento?
A estratégia do Governo português era a de evitar ao máximo a ajuda externa. Chegamos a um momento em que a situação poderia ter sido resolvida de outra forma, com o famoso PEC IV, que tinha muitas das medidas que vieram a estar no memorando e que asseguravam algum cumprimento que a UE exigia para continuar a apoiar o Estado português. Mas o PEC IV foi chumbado, argumentando os partidos de direita que era um pacto demasiado austero. Chumbado o PEC IV esse caminho esfumou-se e tornou-se insustentável não solicitar a ajuda externa. Nunca saberemos se o PEC IV iria funcionar ou não. Mas havia um caminho alternativo. Foi isso que se tentou fazer até ao limite.
António José Seguro disse numa entrevista à "Grande Entrevista" da RTP que não conseguia imaginar mais medidas de austeridade. Consegue imaginar mais medidas de austeridade?
Percebo as palavras do secretário-geral, porque, de facto, não se consegue perceber como se pode exigir mais aos portugueses, mas infelizmente, sobretudo tendo em conta o caso grego, têm sido vários os exemplos de outros caminhos ainda mais duros que têm sido exigidos. Que conscientemente o ministro das Finanças ou o primeiro-ministro contemple essa possibilidade, sabendo que ao reforçar a dose de austeridade está a agravar ainda mais a recessão, parece-me inconcebível. Mais vale pensar que é preciso um prazo diferente, de pelo menos mais um ano, para a execução destas medidas e para o reajustamento. Não precisamos de mais medidas, precisamos de mais tempo e de um [valor de] juro diferente.
Caso a maioria entenda que são precisas mais medidas de austeridade, o PS será contra essas medidas?
Sem conhecer essas medidas, é difícil pronunciar-me em abstrato. Em abstrato, o PS já se pronunciou: não é aumentando a austeridade que a economia vai crescer.
Foi um dos 17 deputados socialistas que assinou o requerimento que pedia a fiscalização da constitucionalidade do Orçamento do Estado. Este requerimento é espelho de algum tipo de ruptura dentro do Partido Socialista?
Eu analisei o Orçamento do Estado e identifico naquelas normas que em meu entender são inconstitucionais. Há um direito e um dever que a constituição prevê que é a solicitação ao Tribunal Constitucional sobre a constitucionalidade ou não das normas. É um juízo individual e o facto é que a dúvida não pode permanecer. Mas não há aqui um desacordo político.
Antes das próximas eleições, em 2013, Seguro terá de enfrentar um congresso. Acha que será o actual secretário-geral o candidato socialista a primeiro-ministro?
A tradição do PS é essa e não há sinais em contrário. O próximo acto eleitoral são as autárquicas, depois as europeias. E, portanto, é para isso que se está a trabalhar. Foi agora lançado o Laboratório de Ideias, um espaço de encontro entre o partido e o Estado civil. A questão colocar-se-á mais à frente.
Será apoiante de Seguro? Concorda com o estilo que tem demonstrado?
Não gosto de sobrevalorizar a questão do estilo, porque o fundamental é a substância. O importante é que os valores e os projectos se traduzam em maior qualidade de vida para as pessoas. O estilo é uma questão individual, obviamente que cada um tem o seu. No final, o que leva as pessoas a decidir são as propostas. A missão do PS, neste momento, é das mais importantes que já desempenhou na sua história: o actual Governo e a linha muito liberal que segue, quebrando a tradição mesmo dentro do PSD, está de facto a pôr em causa aquilo que foram as raízes do nosso desenvolvimento.