Artur Santos Silva: a escolha óbvia que ninguém previu
A Gulbenkian anunciou ontem que o seu próximo presidente será o banqueiro portuense Artur Santos Silva, que já integrava, sem funções executivas, o actual conselho de administração da fundação. Uma escolha natural, tendo em conta a experiência e o prestígio de Santos Silva como administrador financeiro, o seu detalhado conhecimento dos negócios da própria Gulbenkian - é administrador da Partex Oil & Gas (Holdings) Corporation, empresa petrolífera inteiramente detida pela fundação -, e ainda o seu extenso currículo de intervenção cívica e cultural: esteve envolvido na criação de Serralves, preside ao conselho de fundadores da Casa da Música, foi o primeiro comissário da capital europeia da cultura Porto 2001 e, mais recentemente, presidiu à comissão que organizou as comemorações do centenário da República.
Num comunicado ontem distribuído, a Gulbenkian informa que o seu conselho de administração plenário - incluindo, portanto, os membros sem funções executivas - "elegeu por unanimidade" o actual chairman do BPI para suceder a Rui Vilar, acrescentando que Santos Silva aceitou "apresentar-se à votação" por "solicitação unânime" dos seus pares. A breve nota enviada à imprensa esclarece ainda que Santos Silva abdicou de "receber qualquer remuneração adicional" como presidente da Gulbenkian e que manterá o seu cargo não executivo no BPI. "Continuar o meu trabalho no BPI foi uma condição prévia", disse Santos Silva ao PÚBLICO. "Eu não poderia deixar as minhas funções, numa altura como esta, em que o banco e o próprio país atravessam este momento de crise".
Quando Rui Vilar iniciou o seu primeiro mandato, em 2002, criou a figura do administrador não executivo, que até então nunca existira na fundação. E uma das personalidades que então convidou, a par do ensaísta Eduardo Lourenço e do professor de Direito e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros André Gonçalves Pereira, foi Artur Santos Silva, seu amigo de longa data. O banqueiro do Porto surge assim como seu sucessor natural e como alguém capaz de gerar consenso dentro e fora da instituição. O que surpreende, portanto, é que ninguém tenha previsto uma escolha aparentemente tão previsível. Tanto mais que, ao longo dos últimos meses, os jornais foram avançando um copioso rol de potenciais futuros presidentes da Gulbenkian, incluindo alguns dos actuais administradores executivos, como Marçal Grilo, e várias figuras exteriores à fundação, de Jaime Gama e Luís Amado ao actual presidente do Tribunal de Contas, Guilherme d"Oliveira Martins. E especulou-se ainda que se poderia estar a preparar uma liderança bicéfala, que permitiria a permanência de Vilar como presidente não executivo. Uma fonte ouvida pelo PÚBLICO adiantou que terá sido justamente a pressão externa provocada pelas várias pessoas "que faziam saber que não se importariam de ser presidentes da fundação" que levou Rui Vilar a antecipar a eleição do seu sucessor, que estatutariamente só teria de ser decidida no início de Fevereiro de 2012.
Eleição por unanimidadeOs nove membros do conselho acordaram há meses que a eleição deveria ser por unanimidade, mesmo que mais do que um tivesse o desejo de suceder a Vilar. Uma decisão que, segundo a mesma fonte, não surgiu por acaso. "O conselho queria acima de tudo evitar a repetição da última eleição, há dez anos". Nesse escrutínio secreto, Vilar teve mais votos e, por isso, não se cumpriu a tradição de se eleger o administrador mais velho, o que "deixou José Blanco, o preterido e um homem com décadas de casa, numa posição algo humilhante".
Ainda no Verão, os administradores terão tentado persuadir Vilar a cumprir um terceiro mandato, mas este recusou, argumentando que fora ele próprio a instituir o limite de dois mandatos e que não o iria quebrar. Uma outra fonte, da Gulbenkian, acrescenta que alguns dos actuais administradores executivos se terão, de facto, mostrado disponíveis para o cargo, mas que, a dado momento, se tornou claro que nenhum deles obteria a aprovação de todos os outros. Um dos cenários que então se chegou a colocar foi o de quebrar um precedente e convidar alguém de fora, tendo sido Jaime Gama o único nome seriamente ponderado. Mas esta solução tinha uma fragilidade óbvia, já que deixava claro que o conselho de administração não conseguira chegar a consenso para escolher alguém no seu interior. Embora a escolha de um administrador não executivo, como Santos Silva, também seja inédita, a quebra de precedente terá parecido menos relevante, uma vez que se tratava de alguém "da casa".
Eduardo Lourenço, um dos votantes, diz que foi "uma excelente escolha" e acredita que "também terá sido bem acolhida pelo pessoal da fundação, que poderia andar um pouco inquieto, sem saber o que aí vinha". Santos Silva, que ontem enviou uma declaração à imprensa, sublinhando que presidir à Gulbenkian "constitui uma honra e uma grande responsabilidade", e elogiando o mandato de Rui Vilar, não quis detalhar os bastidores da sua eleição, mas garantiu que "foi um processo sempre feito com muita dignidade, conduzido de forma exemplar, e com grande convergência de opinião entre os administradores".
Não é claro desde quando Rui Vilar terá equacionado esta solução, mas tudo indica que a apresentou no momento certo, quando já era óbvio que outros nomes não seriam consensuais, e decerto dispondo da garantia prévia de que Artur Santos Silva aceitaria o cargo.
Poupou assim a Gulbenkian à necessidade de procurar um presidente fora da fundação, o que levantaria, além do mais, problemas regulamentares. Os estatutos não o proíbem, embora nunca tenha acontecido, mas estabelecem que o conselho de administração não pode ter mais de nove administradores e que o presidente integra esse órgão. Ou seja, teria sido necessário que um dos actuais administradores deixasse o cargo, ou que Vilar antecipasse a sua saída.
Para lá do que pode prever-se a partir das características e do currículo de Santos Silva, é ainda cedo para se adivinhar que tipo de mandato irá fazer à frente da maior fundação portuguesa. Ele próprio disse ao PÚBLICO que "sobre o futuro" só falará quando entrar em funções e que a sua prioridade é "conhecer melhor a fundação", embora o sossegue o facto de ir poder contar com "uma equipa de excepcional qualidade".
Ainda assim, no seu registo formal, a sua declaração aponta algumas pistas. Santos Silva destaca que a Gulbenkian, além do seu papel determinante na vida cultural portuguesa, tem "promovido a intervenção, reflexão e debate sobre as grandes questões do nosso tempo". E elogia Rui Vilar pelo modo como reforçou a acção da fundação também no plano internacional. Parece provável, portanto, que a sua liderança assuma a continuidade do projecto do seu antecessor, que, embora sem rasurar o histórico da Gulbenkian, pareceu determinado a adequá-la a um mundo mais global, reforçando a sua integração em redes internacionais e procurando que esta dê um contributo significativo para algumas das grandes questões contemporâneas, como a ecologia ou o multiculturalismo. com Isabel Salema e Sérgio C. Andrade