"Sujeitam-se a falsos recibos verdes, a serem considerados mão-de-obra barata ou, até mesmo, gratuita, acumulam estágios curriculares na esperança de ficarem e vão tentando pensar que ainda são jovens, que ainda têm muito por viver, que há quem esteja em situação pior, que tudo pode ser enriquecedor mesmo deixando os bolsos vazios", escreve Ana Filipa Pinto, de apenas 21 anos, no primeiro livro que publica.
É exactamente sobre a falta de emprego para esta geração que a autora escreve. Depois da manifestação que levou à rua milhares de pessoas, Ana Filipa Pinto fala do que é fazer parte da actual geração "à rasca" que, com um curso superior, não tem direito a oportunidades.
O livro assume um formato muito realista: não é apenas um relato do que se sente em não ser acolhido pelo mercado de trabalho do próprio país, é também fruto de uma grande investigação e da recolha de vários testemunhos de jovens e de depoimentos de profissionais de várias áreas, como psicólogos, advogados, sociólogos, economistas, entre outros.
Jovens numa encruzilhada
"Embati directamente na realidade", afirma a autora. "Dei de caras com ela e percebi que não estou sozinha, pelo contrário. Tenho muita gente à minha volta que está em situações iguais ou piores. Mas por outro lado pensei: é gente cheia de valor que está a tentar encontrar uma solução numa encruzilhada perante a qual muitos baixariam os braços".
A proposta da escrita do livro foi, curiosamente, feita no dia 12 de Março, o dia da manifestação "à rasca", pelo repórter e jornalista José Vegar. O prefácio, da autoria do repórter, faz-se logo notar: as palavras "eles" e "nós" estão destacadas a negrito, ao longo de todo o texto.
Trata-se de uma chamada de atenção que passa a mensagem e dispensa explicações. "Eles" são esta nova geração precária que, apesar de qualificada, adia os planos de uma vida independente dos pais para cada vez mais tarde, à espera de uma oportunidade para iniciar carreira profissional.
É esse ar do tempo que Ana Filipa procura captar e condensar nas páginas do livro. Um excerto: "'Horas livres', um conceito também ele distinto para os muitos jovens que percebem que dificilmente terão um emprego de sonho para a vida e, muito menos, um só emprego que satisfaça os inevitáveis investimentos quotidianos, os pequenos sonhos. Aqueles que, do carrinho de supermercado, passam para o autocarro que pára a uns metros de casa e que, de seguida, são meticulosamente arrumados na prateleira partilhada com alguém que, de idade semelhante, dorme no quarto ao lado ou na cama de cima do beliche do IKEA.”
"À Rasca – Retrato de uma geração" mostra a realidade pura e dura. Os números estão lá e não mentem, muitos deles obtidos através do Instituto Nacional de Estatística. E os testemunhos reais também lá estão. "Trabalhar a recibo verde é mau. Estar desempregado é ainda pior."