Occupy Wall Street entra na quarta semana e não esmorece
Na Europa, os indignados continuam acampados na capital da Bélgica. Tanto os jornais espanhóis El País como o El Mundo, davam conta neste domingo que a polícia de Bruxelas tinha libertado os 48 detidos na noite de sábado, 27 dos quais eram espanhóis.
Os manifestantes ficaram 12 horas na cadeia por se manterem após as 22h no parque Elisabeth. Os responsáveis belgas tinham dado um edifício de uma Universidade com água, luz e aquecimento, onde os indignados podiam pernoitar. Em contra partida o parque ficaria livre de pessoas durante a noite.
“Voltaram todos, sem consequências penais, judiciais ou económicas”, disse uma das responsáveis da coordenação internacional do movimento, citada pelo El País. Os debates vão prosseguir durante toda a semana num crescendo até à mobilização 15-M de sábado que deve acontecer em várias cidades europeias na Holanda, Reino Unido, Alemanha, Bélgica, em Espanha (Barcelona e Madrid) e em Portugal (Lisboa e Porto).
A Primavera Árabe pode ser vista como o começo da bola de neve que levou ao surgimento do movimento 15-M na Espanha, que luta contra a corrupção governamental e a política económica Europeia. A manifestação de 15 de Maio, que aconteceu depois da mega-manifestação de 12 de Março em várias cidades portuguesas, foi seguida de perto em Nova Iorque.
No passado sábado, centenas de pessoas acabaram por ser presas na ponte de Brooklyn, em Nova Iorque, num momento em que a comunicação social era acusada de estar a desprezar o movimento Occupy Wall Street.
Neste sábado à tarde, e uma semana depois dos incidentes na ponte, mil pessoas manifestaram-se até Washington Square Park, em Nova Iorque, seguidos por um forte dispositivo policial. O grupo seguiu pelos passeios das ruas evitando as estradas para que os polícias não prendessem ninguém.
Os manifestantes gritavam: “Nós somos os 99 por cento”, reportava neste sábado o New York Times. A expressão refere-se aos 99% da população norte-americana versus os 1% que detêm uma fatia de 40 por cento da riqueza do país, e contra o qual os protestos vão ganhando uma voz cada vez maior.
“Este sábado está a ser interessante porque agora existem duas parques com protestos”, disse ao jornal norte-americano Max Fox, de 23 anos, editor do The New Inquiry, uma revista online. “Mostra que podemos estar parcialmente divididos e ainda termos uma presença significativa em duas partes da cidade.” Até agora, os protestos eram tinham sido centralizados na baixa de Manhattan.
Mas o presidente da Câmara de Nova Iorque, Michael Bloomberg, explicitou o seu descontentamento no seu programa de rádio semanal. “O que eles estão a tentar fazer é tirar os postos de trabalho na cidade”, citava neste sábado o jornal inglês The Guardian.
“Se os postos de trabalho que eles estão a tentar livrar-se – as pessoas que trabalham nas finanças, o que é grande parte da nossa economia – desaparecerem, vamos ficar sem dinheiro para pagar aos nossos trabalhadores municipais, limpar os nossos parques ou qualquer outra coisas”, disse, acrescentando que simpatizava com alguns dos manifestantes. “Existem algumas pessoas com queixas legítimas”, sublinhou.
Boom virtualMuitos políticos e até o Presidente Barack Obama têm manifestado este tipo de compreensão numa altura que os protestos estão disseminados por todo o país. Neste sábado, em Washington DC, a manifestação não foi tão serena quanto em Nova Iorque.
Cerca de 200 pessoas tentaram entrar no Museu Smithsonian do Ar e Espaço, explicou o jornal Washington Post. Segundo um dos participantes, a ocupação foi planejada pelo grupo Outubro 2011, apesar de alguns dos manifestantes terem vindo da Praça McPherson, que desde a semana passada está a ser ocupada pelo grupo Occupy DC, uma continuação do movimento de Nova Iorque.
Apesar de os grupos serem diferentes, os interesses eram comuns. O protesto era mais uma vez contra as corporações, a destruição ambiental e o militarismo da América, e foi por isso que tentaram entrar no museu, que contava com uma nova exposição de aviões não tripulados.
Rapidamente os responsáveis do Museu chamaram as autoridades. E os seguranças lançaram gás pimenta que acertou pelo menos em um dos protestantes. Mas segundo as autoridades de saúde, não houve feridos graves.
Um longo artigo do New York Times deste sábado mostra qual é o contexto virtual de onde estes acontecimentos surgem. A página do Facebook do Occupy Wall Street tinha, segundo o artigo, 138.000 membros. Neste domingo já conta com 155.000. Mais 200 páginas Occupy foram criadas no facebook: Tenesse, Menfis, Knoxville, Clarksville, Chicago, Filadélfia, Boston, Dallas, Seatle, etc.
A comunicação na Internet estende-se ao Twitter e a diversas páginas onde são decididas reuniões, manifestações, onde se discute política mas onde também se ouve desabafos. “Não quero ser rica. Não quero ter um estilo de vida abastado”, escreveu uma mulher no Tumblr, citada pelo New York Times. “Estou preocupada. Assustada, pensar no futuro abala-me. Espero que isto resulte. Espero mesmo que isto resulte”, disse a estudante da faculdade, numa altura em que o desemprego atinge os nove por cento nos EUA, e que muitos desempregados são jovens formados.
“Isto é mais do que uma conversação crescente do que alguma coisa massiva como vimos quando acontecem furacões com pessoas a morrerem”, explicou Mark Ghuneim, director-executivo do Trendrr, uma empresa que segue a popularidade e as tendências dos temas nas redes sociais. Na sexta-feira, a cada hora, 10.000 ou 15.000 twiters eram sobre o Occupy Wall Street.
“A discussão sobre isto tem um batimento cardíaco forte que está a espalhar-se. Estamos a ver o diálogo nacional a transformar-se em bolsas de conversas locais baseadas em tópicos”, disse ao New York Times. O jornal norte-americano refere ainda que no Egipto, a página do Facebook que ajudou a organizar as manifestações tinha na altura 400.000 membros e tinha sido fundada dez meses antes.
Revolução democrática
Mas uma das maiores críticas feita ao movimento é a falta de opiniões e ideias políticas, e de uma centralização. A revista The Economist terminava um artigo recente sobre o Occupy Wall Street a dizer que “para trazer mudanças reais numa democracia real também é necessário fazer política a sério. É só preciso trabalho – e pessoas suficientes que pensem da mesma forma.”
Mas uma reportagem do El País em Zuccoti Park, na baixa de Manhattan, onde o movimento está sediado, mostra como as ideias estão efervescentes e como os manifestantes não se identificam na política bipartidária do país.
“Barack Obama era o mais preparado, o mais inteligente e o mais bonito… e não fez nada do que prometeu. Somos benevolentes e digamos que os Republicanos não o deixaram. Não importa. Só demonstra que votar e ir para casa e esperar que os políticos resolvam a nossa vida não funciona. Por isso há que valorizar o movimento político Occupy Wall Street. A alternativa ao poder somos nós, os cidadãos”, disse Antonio ao diário, um espanhol que vive há mais de uma década em Nova Iorque, e que preferiu não dizer o segundo nome.
“O movimento aspira a separar o poder político do poder económico, como se separou há séculos o religioso do político. Desde já pedimos propostas concretas, uma obsessão que corre paralela com a falta de exigência dos políticos”, explicou. E o movimento conta com todos, sindicatos, estrelas do espectáculo, políticos, desde que aceitem as regras de que ninguém é maior do que ninguém.
Carne Ross, diplomata com cerca de 50 anos, que em 2004 rejeitou um posto na ONU quando os Estados Unidos entraram no Iraque, faz parte do movimento. “Quem afirma que só há um punhado de idealistas não tem nenhuma ideia do que se está a passar. Ali está a construir-se o futuro, a cada tarde, com a voz e a participação de todos. Sei que custa entender quando se viveu acreditando que a democracia dos partidos é a melhor forma possível de governo. Mas somos o que deixámos de acreditar no voto e que procuramos novos caminhos através da participação dos cidadãos”, disse o diplomata ao El país, que hoje dirige a organização Independent Diplomat, que faz assessoria diplomática a grupos como a Frente Polisario.
Um dos objectivos actuais de Ross é criar um sistema bancário alternativo. “O actual está na raiz da crise económica e é necessário um diferente. Queremos criar formas participativas de gerir o dinheiro e a política e por isso estamos compilar propostas, como os bancos-cooperativa.”
Notícia corrigida às 10h34. "Lavado" substituído por "livre"