Hoje é o primeiro dia do resto da presidência de Barack Obama
O discurso sobre o Estado da União é uma etapa anual no calendário de um Presidente americano, mas quando é antecedido de uma derrota eleitoral como a que Obama e os democratas sofreram em Novembro torna-se subitamente num momento decisivo, uma espécie de discurso de campanha de um Presidente em funções. No domingo, todos os programas de debate da televisão americana dedicaram as suas edições à antecipação do discurso presidencial. Na CNN, o conservador David Frum, ex-speechwriter de George W. Bush, descreveu o Estado da União como "a viagem à lua do ramo executivo".
Este é o segundo discurso de Obama sobre o Estado da União, e o primeiro no contexto da realidade política com que terá de lidar nos próximos dois anos - uma maioria republicana na Câmara dos Representantes, que promete funcionar como uma força de bloqueio à agenda legislativa do Presidente.
É uma oportunidade para o Presidente falar directamente ao país, que não deixará de procurar sinais de que Obama aprendeu a lição dos primeiros dois anos - o desaire eleitoral de Novembro é atribuído ao facto de não se ter concentrado exclusivamente na economia e na criação de emprego para uma classe média em agonia.
No sábado, Obama enviou um vídeo de quatro minutos ao núcleo de activistas da sua campanha presidencial de 2008 em que oferece uma antecipação do seu discurso de hoje.
"A minha principal preocupação vai ser assegurar que somos competitivos, que estamos a crescer e a criar empregos", disse o Presidente. O vídeo foi divulgado um dia depois de Obama ter anunciado que o director executivo da General Electric, Jeffrey Immelt, irá presidir a um novo painel de conselheiros económicos exteriores à Casa Branca, focado em investimento e criação de emprego. Esta nomeação não só dissipa receios de que a administração Obama é anti-empresarial, como é uma medida con- creta, uma prova de que o Presidente está, de facto, a lidar com o problema económico.
"Todos sabemos os temas que ele vai abordar. Isto é, tenho a certeza que ele falará de crescimento económico e emprego. Mas a questão é o que irá propor fazer sobre isso. O povo americano sabe muito discernir a diferença entre retórica e um plano. E acho que neste momento está à espera de um plano", diz ao PÚBLICO William Galston, analista do think tank Brookings.
O momento é favorável a Obama: pela primeira vez em vários meses, beneficia de uma subida significativa nas sondagens, graças às vitórias legislativas que conseguiu negociar com os republicanos pouco antes do Natal, e ao discurso unificador que fez no Arizona a seguir ao tiroteio que matou seis pessoas e deixou a congressista democrata Gabrielle Giffords em estado crítico.
Mas Galston, que foi um dos conselheiros de política nacional do presidente Bill Clinton, é cauteloso. "Concordo que os últimos dois meses foram positivos para o Presidente. Mas é bom manter o foco no que é fundamental: o estado da economia não é bom, temos tido desemprego acima dos nove por cento durante o maior número de meses consecutivos desde a Grande Depressão, e temos uma situação fiscal que é insustentável. E temos mais de um milhão de casas hipotecadas por ano. Podia continuar. Os problemas que enfrentamos são dantescos, os americanos não estão confiantes no futuro. E os ganhos que o Presidente fez nos últimos dois meses podem facilmente dissipar-se a menos que ele consiga fazer mais."
Ainda a tragédia de TucsonO recente discurso de Obama no Arizona mereceu elogios até dos seus habituais inimigos políticos. John McCain, o seu rival republicano nas presidenciais de 2008, publicou um artigo de opinião no Washington Post descrevendo o discurso de Obama como "notável". Será que Obama devia rasgar o texto que a sua equipa de speechwriters prepara há meses e adoptar um discurso semelhante ao do Arizona? "Não, porque foi um discurso com uma natureza diferente", diz Galston. "Os americanos esperam que o Presidente fale ao país em momentos de tragédia nacional." Mas Galston acredita que Obama invocará o tiroteio de Tucson para apelar à reconciliação política, em vez do actual antagonismo.
William Galston estava na fila da frente quando, em Novembro de 1994, o Partido Democrata sofreu uma derrota comparável à de Novembro de 2010. A resposta de Clinton foi adoptar uma linha de acção mais centrista. O New York Times antecipava anteontem que o discurso de Obama sobre o Estado da União irá revelar uma agenda mais moderada e próxima do centro político.
"Até agora, de várias formas, o Presidente Obama parece estar a responder como Bill Clinton", diz William Galston. "Antes de mais, logo após Novembro, trocou o confronto com os republicanos pelo compromisso com eles. A seguir fez uma série de no- meações para a administração, em que três dessas pessoas trabalharam na presidência de Bill Clinton, a começar pelo novo chefe de gabinete, William Daley, que foi o secretário do Comércio de Clinton. E depois, muito notoriamente, o Presidente tentou reconciliar a sua administração com a comunidade empresarial."
Recentemente, Galston escreveu no jornal Washington Monthly que a Administração Clinton atravessou "um período de grande desorientação" a seguir à derrota eleitoral de 1994.
Se o mesmo está a acontecer com Obama, não é perceptível. "Costumo fazer uma analogia com o pato, que à superfície parece mover-se placidamente mas debaixo de água está a mexer as patas freneticamente, tentando manter-se à tona", resume Galston.