Kremlin admite que o “telefone vermelho” entre Rússia e EUA está desligado

Governo russo responsabiliza Biden pela escalada da tensão na Ucrânia por ter autorizado utilização ucraniana de mísseis de longo alcance norte-americanos contra alvos dentro da Rússia.

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Joe Biden tem intensificado o apoio à Ucrânia antes de passar a pasta a Donald Trump The White House / VIA REUTERS
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Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin, assumiu esta quarta-feira que o famoso “telefone vermelho”, o canal privilegiado de comunicação directa entre os Presidentes dos Estados Unidos e da Federação Russa estabelecido durante a Guerra Fria, não está a ser utilizado.

Peskov respondeu negativamente à agência noticiosa russa TASS quando lhe perguntaram se a “linha segura especial” entre Vladimir Putin e Joe Biden estava a ser usada neste período de enorme tensão entre Washington e Moscovo, à luz dos últimos desenvolvimentos da guerra na Ucrânia.

Citado pela Reuters, o porta-voz do Governo russo voltou a criticar os EUA por terem autorizado as Forças Armadas ucranianas a utilizarem mísseis de longo alcance norte-americanos para atingirem alvos militares dentro do território da Rússia. “Estão a usar a Ucrânia como uma ferramenta que têm nas suas mãos para alcançar os objectivos [da derrota russa no conflito]”, acusou Peskov.

Na terça-feira, a Ucrânia recorreu pela primeira vez a sistemas de mísseis ATACMS, fabricados e fornecidos pelos EUA, para atacar um paiol na cidade russa de Karachev, no oblast (província) de Bryansk, perto da região de Kursk, onde os ucranianos controlam alguns territórios desde o Verão.

Vários dirigentes políticos russos reagiram de forma muito crítica à decisão de Biden de dar “luz verde” à utilização dos ATACMS, que têm uma autonomia superior a 300 quilómetros, acusando a Administração de estar a dar um “passo sem precedentes rumo à Terceira Guerra Mundial” e comparando o actual momento com a Crise dos Mísseis de Cuba, em 1962, quando o mundo esteve perto de um conflito nuclear.

Horas antes do ataque ucraniano com ATACMS em Bryansk, confirmado de forma não-oficial por representantes políticos e militares da Ucrânia e dos EUA, Putin anunciou uma nova actualização da doutrina nuclear da Federação Russa. Reforçando o princípio, consagrado anteriormente, segundo o qual qualquer “agressão de um Estado não-nuclear, mas com a participação ou o apoio de um Estado nuclear”, é entendido por Moscovo como um “ataque conjunto à Federação Russa”, o Presidente russo determinou os critérios para a retaliação nuclear.

“É possível uma resposta nuclear da Rússia em caso de ameaça crítica à sua soberania, mesmo com armas convencionais; em caso de ataque à Bielorrússia, enquanto membro do Estado da União; [ou] em caso de lançamento maciço de aviões militares, de mísseis de cruzeiro, de drones, de outras aeronaves e da sua travessia da fronteira russa”, especifica o documento actualizado.

Recorde-se que Putin disse em Setembro que se a Ucrânia utilizasse armamento de um país da NATO contra o seu território, isso significaria um “envolvimento directo” da Aliança Atlântica na guerra, que legitimaria uma retaliação russa contra qualquer dos seus Estados-membros.

Para além dos EUA, é provável que o Reino Unido e a França também autorizem os ucranianos a usar o sistema de mísseis de longo alcance franco-britânico Storm Shadow/Scalp.

Enquanto se aguarda pela resposta “apropriada e palpável” prometida pela Rússia logo na segunda-feira, EUA, Itália, Espanha e Grécia ordenaram esta quarta-feira o encerramento e a evacuação das respectivas embaixadas em Kiev, por receios de um ataque “iminente” à capital.

O esforço extra demonstrado pela Administração Biden para oferecer o máximo de ajuda possível à Ucrânia antes de o Presidente passar a pasta a Donald Trump, no início do próximo ano, evidencia o silêncio do Presidente eleito sobre os últimos desenvolvimentos do conflito.

Trump garantiu várias vezes que, se vencesse as eleições presidenciais contra Kamala Harris, iria acabar com a guerra “rapidamente”. Não revelou, ainda assim, quais os seus planos, mas há várias intervenções públicas registadas, suas e dos seus principais aliados, a defender a redução ou mesmo a retirada do apoio militar e financeiro a Kiev.

Também por causa dos elogios que dedicou a Putin, muitos dos seus críticos suspeitam, por isso, de que Trump possa vir a defender a cedência de território ucraniano à Rússia. É, ainda assim, bastante expectável que o “telefone vermelho” volte a ser ligado à ficha quando tomar posse, no dia 20 de Janeiro.

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