"Liberdade de imprensa na Hungria acabou"
"A Hungria foi um país democrático e livre nos últimos 20 anos e não pretendemos regressar a algo diferente enquanto aqui estivermos", escreve o jornal de centro-esquerda no editorial desta segunda-feira, a que o PÚBLICO teve acesso, revelando que vai recorrer nos próximos dias para o Tribunal Constitucional, o último recurso ainda disponível.
Detentor de uma maioria de dois terços no Parlamento, o Governo de Viktor Orban aprovou, a 21 de Dezembro, uma lei que fixa multas de até 750 mil euros aos autores de notícias que "não sejam politicamente equilibradas", ofendam a "dignidade humana", "o interesse público" ou a ordem moral". Ofensas vagas que caberá à nova entidade reguladora - e aos seus membros, todos nomeados pelo Governo - interpretar, aplicando a respectiva punição a televisões, jornais, rádios e até blogues, mesmo aos que operam fora do país. Os reguladores podem também ter acesso às notícias antes da sua publicação e os jornalistas ficam obrigados a revelar as suas fontes quando esteja em causa a "segurança nacional".
Os deputados do Fidesz, o partido conservador que, na Primavera, regressou glorioso ao poder após oito anos de interregno socialista, insistem que o objectivo é pôr fim a abusos criados por uma legislação antiquada. Gábor Horváth, director adjunto do Népszabadság, responde que "ninguém precisa de usar artilharia pesada quando quer provar as suas boas intenções". O "Governo quer pressionar-nos e talvez nem tenha de fazer nada, basta que os jornalistas saibam o que lhes pode acontecer", disse ao PÚBLICO.
Lei ao estilo de LukashenkoMas Orban quis ir mais longe. Criou uma única direcção para todos os meios de comunicação públicos, que passam a transmitir apenas notícias produzidas pela agência estatal - o objectivo, alega o Governo, é racionalizar os custos. O resultado, respondem os jornalistas, será despedimentos colectivos e uma mordaça sobre as vozes críticas. Um locutor da Rádio Magiar foi um dos primeiros a senti-la: após a aprovação da nova "constituição para os media" ficou um minuto no ar em silêncio; foi de imediato suspenso.
"Até agora, [o Presidente bielorrusso Alexander] Lukashenko era considerado o último ditador da Europa. Quando esta lei entrar em vigor, deixará de ser o caso", reagiu, duríssimo, o chefe da diplomacia luxemburguesa, Jean Asselborn, depois de a Organização para a Cooperação e Segurança na Europa (OSCE) ter concluído que a nova lei "viola os padrões de liberdade de imprensa" e "põe em causa a pluralidade e a independência editorial".
Asselborn disse mesmo haver razão para questionar "se este país é digno de liderar a UE" - afirmações que irritaram Orban, tanto como o puxão de orelhas que chegou de Berlim, quando um porta-voz de Angela Merkel avisou que enquanto Budapeste estiver à frente do Conselho Europeu "tem responsabilidades particulares na imagem" da UE. "Não tenho por hábito reagir com pernas fracas às declarações ocidentais", disse Orban.
Durante alguns dias, as esperanças dos jornalistas húngaros estiveram concentradas na pressão europeia, mas Bruxelas limitou-se a pedir explicações a Budapeste. E um diplomata europeu disse à Reuters não ser previsível que a presidência húngara fique em causa ou Orban seja ostracizado, lembrando que o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, "nunca foi incomodado, apesar de controlar boa parte da imprensa do seu país".
Ainda assim, a historiadora húngara Eva S. Balogh diz ser possível que Orban "tenha de passar por algumas conversas difíceis" com os seus homólogos europeus. "Apesar das suas bravatas, ele recua quando enfrenta uma oposição séria", disse ao PÚBLICO a autora do blogue Political Spectrum.
Num sinal de abertura, o Governo convidou, no sábado, responsáveis da OSCE para discutir a lei - um "passo na boa direcção", disse Berlim.
No mesmo dia, a entidade reguladora abriu uma investigação a uma rádio privada por ter passado uma música do rapper Ice-T que "pode influenciar de forma negativa o desenvolvimento das crianças", noticiou a BBC.