Ban Ki-moon e Sarkozy exigem que Gbagbo abandone a presidência
Gbagbo deve entregar o poder ao seu adversário Alassane Ouattara, que ganhou a segunda-volta das presidenciais, afirmou Ban Ki-moon à imprensa.
São intoleráveis as tentativas do candidato derrotado para se manter no poder, sublinhou o secretário-geral, segundo o qual essa permanência seria "uma paródia da democracia e do Estado de Direito".
Horas antes, o Presidente francês, Nicolas Sarkozy, exigira ao seu homólogo da Costa do Marfim que abandonasse o lugar "antes do fim da semana".
Em Bruxelas, onde participou numa reunião de chefes de Estado e de Governo, Sarkozy declarou que Gbagbo deverá entregar o poder se não desejar ser incluído na lista de sanções a aplicar pela União Europeia (UE) a uma série de personalidades do seu regime.
"Não há outra solução para Gbagbo que não seja deixar um lugar que está a usurpar", afirmou taxativamente o Presidente da República Francesa.
O Presidente e a sua primeira mulher, Simone Ehivet Gbagbo, vice-presidente da Frente Popular Marfinense (FPI) e líder do respectivo grupo parlamentar, "têm o seu destino nas mãos", acrescentou Sarkozy.
“Cabe a Gbagbo decidir a imagem que pretende deixar na História. Quer deixar a imagem de um homem de paz? Ainda há tempo, mas já vai escasseando; e ele deve partir. Ou quer deixar a imagem de alguém que permitiu que se disparasse sobre civis inocentes? ", perguntou o Presidente francês, no fim da cimeira europeia.
"Existem jurisdições internacionais, como o Tribunal Penal Internacional, onde o próprio procurador afirma que está a acompanhar muito atentamente a situação e que os que ordenaram que se disparasse serão chamados a prestar contas", prosseguiu Nicolas Sarkozy, na sua linguagem particularmente dura.
"É preciso manter a pressão, ou até mesmo aumentá-la. A única assinatura bancária válida para o Estado marfinense é agora a de Ouattara", afirmara já a ministra francesa dos Negócios Estrangeiros, Michèle Alliot-Marie.
Fonte norte-americana citada pela Euronews disse que os Estados Unidos e a União Africana (UA) também estão a fazer pressão para que Laurent Gbagbo se demita quanto antes e parta para o estrangeiro. É aquilo a que a AFP chama a estratégia da asfixia da administração cessante.
Uma das personalidades às quais a UE pretende aplicar sanções é o conselheiro presidencial Bertin Gahié Kadet, sobrinho de Gbagbo, que recentemente o enviou a conversações com o seu homólogo de Angola, José Eduardo dos Santos.
Por seu turno, o Conselho Europeu que esteve reunido em Bruxelas pediu aos dirigentes marfinenses, tanto civis como militares, que ainda o não fizeram, "que se coloquem sob a autoridade do Presidente democraticamente eleito Alassane Ouattara,”
O presidente da Comissão da UA, o gabonês Jean Ping, encontra-se desde hoje de manhã em Abidjan, a fim de ainda procurar evitar a guerra civil que cada vez mais se desenha no país que é o maior produtor mundial de cacau.
Depois de ter falhado a mediação do antigo Presidente sul-africano Thabo Mbeki, enviado pela UA no dia 5 de Dezembro, Jean Ping tenta uma hipótese de evitar o mergulho total no caos, num país onde ontem se verificaram largas dezenas de mortos : pelo menos 30 em Abidjan e cerca de 20 nas proximidades da cidade de Tiebissou, no interior.
Ping seguiu directamente do aeroporto da maior cidade do país para um encontro com o Presidente cessante, Laurent Gbagbo, depois do que foi ao hotel onde se encontra o Presidente eleito Alassane Ouattara e se reuniu com representantes da comunidade internacional, evitando fazer declarações à imprensa, por considerar a sua missão "muito sensível".
Oferta de imunidade
O presidente da Comissão da UA entregou a Gbagbo uma carta em que o Presidente da Nigéria, Goodluck Jonathan, actual presidente em exercício da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) lhe recorda que a comunidade internacional lhe garante a imunidade, para si e para os seus, se aceitar partir tranquilamente, de imediato. E à noite voltou ao palácio presidencial, a fim de receber a resposta, segundo noticiou o site da revista "Jeune Afrique".
Se bem que a capital da Costa do Marfim seja formalmente, desde 1983, Yamoussoukro, terra natal do primeiro Presidente da República, Félix Houphouet-Boigny, toda a actividade comercial se centra na cidade portuária de Abidjan, à beira do Atlântico.
As baixas de ontem verificaram-se quando as forças militares e policiais, fiéis a Gbagbo, carregaram sobre os partidários de Ouattara que procuravam encaminhar-se para a televisão estatal RTI, a fim de lá colocarem um director-geral de sua escolha. O objectivo não foi alcançado, mas os aliados do Presidente eleito que é reconhecido pelas Nações Unidas e pela UA incitaram os seus compatriotas a voltar hoje à rua, para tentar que aquele poderoso meio de comunicação social mude de mãos.
A ONU, a UA e a União Europeia têm vindo a pedir a Gbagbo que reconheça a derrota na segunda volta das presidenciais, dia 28 de Novembro, mas ele tem-se mantido intransigente, mantendo toda a África Ocidental num estado de grande tensão.
A argumentação do Presidente cessante, sustentada pelo Conselho Constitucional que lhe é afecto, é que existiu fraude eleitoral nas zonas que se encontram sob o controlo das chamadas Forças Novas, a antiga rebelião que era chefiada por Guillaume Soro, que já foi seu primeiro-ministro e agora o é do novo Presidente.
Recurso à força
O primeiro-ministro do Quénia, Raila Odinga, pediu que os países africanos afastem Gbagbo pela força, se necessário for.
Muitos estabelecimentos de Abidjan permanecem encerrados e há pouco movimento nas ruas, fortemente patrulhadas pelos militares.
Todos os olhares estão atentos às atitudes que venham a ser tomadas pelos milhares de capacetes azuis das Nações Unidas que se encontram destacados no país, essencialmente para proteger os civis, no caso da guerra civil que já houve em 2002/2003 e que segundo tudo indica poderá estar nesta altura a reacender-se.
A UA já disse não acreditar nas possibilidades de um compromisso como o que se estabeleceu no Quénia depois dos actos de violência que se sucederam às presidenciais de Dezembro de 2007: o Presidente Mwai Kibaki conseguiu então manter-se no lugar e o seu adversário Raila Odinga foi designado primeiro-ministro de um Governo de Unidade Nacional. Por isso, ninguém consegue descortinar muito bem como é que o impasse irá ser ultrapassado; e teme-se a hipótese de um autêntico banho de sangue.
A chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, atribuiu hoje a responsabilidade da crise aos que se opõem a uma transferência pacífica do poder para o candidato liberal à segunda volta das presidenciais, Alassane Ouattara.
Ashtton pediu às duas partes que se mantenham calmas e se "controlem", tendo-se também manifestado inquieta com o crescendo da violência e lamentado as vítimas até agora registadas.
Censura à imprensa
Militares fiéis ao Presidente cessante impediram hoje os jornais que apoiam o seu adversário de serem postos à venda. Elementos da Guarda Republicana entraram para isso na sociedade de distribuição Edipresse e nas gráficas.
Jornais como “Le Patriote” e “L’Expression” (próximos da União dos Democratas), “Le Mandat”, “Le Démocrate” e “Le Nouveau réveil” (próximos do Partido Democrático da Costa do Marfim), “Nord-Sud” (próximo do primeiro-ministro Guillaume Soro) e “L’Intelligent” (independente) não apareceram nos quiosques.
Em sinal de protesto contra esta censura, o grupo Sud Actions Médias decidiu deixar de imprimir dois jornais próximos do Presidente derrotado,”Le Temps”, financiado par Nady Bamba (sua segunda mulher, de 39 anos), et “Le Nouveau Courrier”. Na sequência disso, só se encontraram hoje nas ruas de Abidjan “Notre Voie” (jornal da FPI), “Fraternité Matin” (governamental), “Le Quotidien” (financiado por um genro de Gbagbo, Stéphane Kipré) e os independentes “Soir Info” e “L’Inter”.
Notícia actualizada às 19h30