Independentemente de tudo o que possam ter lido, ouvido ou mesmo antecipado sobre "A Rede Social", este não é um filme sobre o Facebook. Nem sobre a internet, sobre a tecnologia, sobre o modo como ela nos mudou a vida (mesmo que isso esteja lá, nas entrelinhas).
"A Rede Social" é um filme sobre um assunto muito menos tópico e muito mais clássico do que parece: o poder e a ambição - e nesse aspecto tanto podia ser sobre o Facebook como sobre o Google, a Starbucks ou o BCP. Nesse aspecto, aliás, é também um filme que remete para uma Hollywood clássica que já não faz filmes sobre as lutas do poder corporativo há uns largos anitos por não serem suficientemente emocionantes para a audiência de adolescentes que a mantém viva.
"A Rede Social" é, paradoxalmente, um filme sobre a adolescência. Ou, melhor, sobre o modo como a transportamos connosco para a idade adulta, e como ela fica menos para trás do que qualquer um de nós acha à partida. Os processos judiciais que servem de âncora narrativa não são mais do que versões sérias, "adultas", das partidas e das praxes universitárias; tudo se reduz às rivalidades petulantes, quase de adolescente que se quer impôr, de quem tem mais dinheiro, o carro mais espalhafatoso, a moto mais potente, a namorada mais estonteante.
No guião do dramaturgo e argumentista Aaron Sorkin ("Uma Questão de Honra", "Os Homens do Presidente"), inspirado no controverso livro de Ben Mezrich, o Facebook é um mero arquétipo, usado para desmontar a singularidade da empresa - apresentada como uma mera extensão da necessidade de validação social que todos temos - e para revelar a sua universalidade - reproduzindo os lugares-comuns clássicos das lutas pelo poder desde tempos imemoriais. Mark Zuckerberg (espantosa criação de Jesse Eisenberg) pode ser o mais jovem milionário do mundo, mas como disse (e bem) David Fincher ao "Le Monde", ser-se milionário aos dezanove anos não é pêra doce.
E é numa das melhores frases de um guião notável que se deve encontrar a chave de "A Rede Social": "todos os mitos de criação precisam de um demónio". É por isso que não há computadores nem virtualidades naquele que é o menos virtual e mais real filme de Fincher até ao momento: este não é um filme sobre um site internet nem sobre o modo como ele mudou o mundo, é um filme sobre pessoas e sobre o modo como as relações virtuais não substituem as relações verdadeiras do mundo real.
É também por isso que não vale a pena procurar aqui um qualquer relato fiel e fidedigno da "verdade" do Facebook (e, para que conste, ninguém se sai a rir deste retrato - nem Zuckerberg, nem o sócio fundador Eduardo Saverin, nem os gémeos Winklevoss que terão dado a ideia original a Zuckerberg, não há santos nem pecadores). Não era isso que interessava nem a Sorkin nem a Fincher. A verdadeira rede social não está online, e é essa a chave do guião (que deve aliás bater um qualquer recorde de velocidade de débito de diálogos): por trás da internet estão apenas as mesmas velhas questões de sempre que fazem de nós quem somos. Dirão que isso faz de "A Rede Social" menos um filme do que uma peça? Ah, mas é aí que entra a mãozinha mágica de Fincher, que se limita a sustentar, com delicadeza e inteligência, a estrutura de Sorkin, mas que o faz sem cair na armadilha de filmar à velocidade da internet ou de dirigir uma peça filmada. É mais difícil do que parece, e a mestria de Fincher é a de estar à altura do argumento que lhe coube filmar.
"A Rede Social" é um grande filme. E é um grande filme sobre coisas muito mais universais do que o Facebook.