A história de Zé Borrego, o único assassino em série português
O sucateiro de Carqueja, Torres Vedras, não é um assassino em série. Os três homicídios que lhe são atribuídos não reúnem o conjunto de características que, de acordo com os investigadores criminais, podem servir para o catalogar como um assassino em série. Para encontrar, em Portugal, alguém que corresponda à designação, é necessário recuar até ao final da década de 1960, altura em que o comerciante Zé Borrego desceu das serranias até Lisboa para, a mando de um poder divino, matar homossexuais, esquartejar os corpos e espalhá-los junto a linhas de água, onde finalmente seriam purificados.
Zé Borrego, homem de grande compleição física, de grande fé e igualmente dotado de uma grande dose de crendice, deixou um dia as serranias da Beira Baixa e rumou a Lisboa. Agia, conforme confessou mais tarde ao agente da Judiciária responsável pelo seu caso, mandado por Nossa Senhora. A sua missão, nas ruas de Lisboa, era acabar com o pecado.
O pecado, segundo a cartilha de Zé Borrego, tinha um rosto: a homossexualidade masculina. Foi assim que se aproximou de cinco pessoas, que as seduziu e que, em quartos de pensões, acabou por as estrangular. Depois, esquartejou-as, meteu os restos dos seus corpos em sacos plásticos e espalhou-os junto à água. Apareceram restos mortais em Paço de Arcos, mas também nas margens do Trancão, em Sacavém.
Após semanas de investigações a polícia chegou a Zé Borrego, que depressa confessou e justificou os crimes.
Os dias que se seguem são passados com o suspeito a prestar declarações na Judiciária e a ir dormir à antiga Penitenciária de Lisboa. Com o decorrer dos depoimentos Zé Borrego ganha confiança com o agente responsável pelo processo. Criam uma certa empatia. O homem a quem Nossa Senhora ordenou um dia que descesse a Lisboa para acabar com a homossexualidade masculina passou a ter no polícia um amigo, que escutava as suas razões e não as reprimia a murro e pontapé. É que, na Penitenciária, os seus crimes já lhe haviam merecido algumas surras.
Zé Borrego acaba por dizer ao polícia que tem ainda de matar mais duas pessoas. Desta feita já não são homossexuais. São dois guardas prisionais que o terão espancado em diversas ocasiões. O agente da Judiciária, sempre paciente, pede-lhe um favor: que não mate mais ninguém.
A honra não é palavra vã para Zé Borrego, que aceita o pedido do polícia (para não voltar a matar), mas que impõe uma condição. Diz que para poupar a vida aos guardas prisionais tem de acabar com a sua. "Você não se mate aqui [nas instalações da Judiciária], que isso é dar-nos ainda mais trabalho", responde-lhe, meio distraído, o polícia. Zé Borrego, homem de palavra, volta nessa noite para a Penitenciária de Lisboa. Na manhã seguinte é encontrado morto na cela, pendurado pelo pescoço.
No caso do homem suspeito da morte dos três jovens, em Carqueja, não é conhecida uma obsessão como a de Zé Borrego. O que se lhe conhece da personalidade não o aponta como um assassino em série. A mesma característica não é, de resto, condizente com o que se conhece relativamente a outros homicidas portugueses que nos últimos anos têm enchidos páginas de jornais.
O "Estripador de Lisboa" matou, em 1990, cinco prostitutas. Todas eram toxicodependentes e algumas estavam infectadas com o vírus da sida. Oficialmente o assassino, que esventrava as vítimas e espalhava as vísceras pelo chão, não é conhecido. Oficiosamente sabe-se que a história destes crimes até foi contada em livro escrito pelo suspeito, o qual veio a morrer com sida. Os casos do cabo Costa, de Santa Comba Dão, que violou três jovens, matando-as e escondendo os cadáveres, bem como Vítor Jorge, que matou a tiro sete pessoas na Praia do Osso da Baleia, não reuniram características, psiocológicas e de actuação, que permitissem declará-los como assassinos em série.