A colaboração entre Satoko Fujii, pianista e compositora, e o marido, o trompetista Natsuki Tamura, tem revelado uma inesperada profundidade na relação que o Japão tem, desde há muito, com o jazz - uma relação de admiração e profundo fascínio cujos resultados ficaram, frequentemente, aquém da orgânica exigida por aquilo que se define como jazz.
No entanto, as coisas estão a mudar e a característica persistência e profundo empenho dos japoneses começa a dar resultados consistentes. Com quatro novos excelentes registos editados em 2009 - "Shiro", do quarteto Gato Libre, "Zakopane", da Tokyo Orchestra, "Cut The Rope", do quarteto First Meeting, e finalmente "Desert Ship" - Fujii e Nakamura trabalham e retransformam o léxico jazz, descobrindo-lhe novos significados e ampliando a sua paleta estética, conquistando o estatuto de membros de uma música que se pensou, em tempos, estar reservada apenas aos norte-americanos. No seu jazz, a vanguarda anda de mãos dadas com um profundo respeito pela tradição, e as linguagens mais radicais que se possam imaginar fundem-se, num todo harmonioso, com um particular lirismo e um sentido poético da linha melódica. Clássica, folk, jazz, improvisação livre e tudo mais unem-se num universo altamente pessoal que desafia categorizações. Fujii e Tamura são presença regular nos meios do jazz de vanguarda nova-iorquino, assinando participações com Paul Bley, Mark Dresser, Jim Black, Mark Feldman, Elliott Sharp ou Carla Kihlstedt (com quem Fujii gravou o magnífico "Kuroi Kawa: Black River").
Em "Desert Ship", momentos de absoluto caos e explosão sónica misturam-se com pequenos haikus intemporais, profundamente melodiosos, ou com trechos de grande intensidade rítmica em que a rara sensibilidade de Fujii e Tamura dá lugar a poderosos discursos no piano e na trompete - sempre acompanhados de perto (pertíssimo!) por Norikatsu Koreyasu no contrabaixo e Akira Horikoshi na bateria. Jazz até ao osso.