Orelha Negra

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Falar de memória é definir aquilo que criaram Mira Professional (Sam The Kid), Cruz (Cruzfader), Gomes Prodigy (João Gomes), Rebelo Jazz Bass (Francisco Rebelo) e Ferrano (Fred). Porque "Orelha Negra" não é um mergulho no passado, é precisamente um jogo de memórias. Começamos em modo clássico, com groove latino e orquestrações "blaxploitation" (lembramo-nos de Joe Bataan em "Barrio blue"), com o Clavinet imortalizado por Stevie Wonder e Sly Stone às voltas com citações da opulência orquestral de Isaac Hayes ("961 919 169"). Chegamos a "Futurama", precisamente a meio do álbum, e o tom muda. Inventam-se os Parliament no século XXI ("Futurama"é título adequado), capturam-se palmas e trompetes em loop envolvente ("Tripical" faria as delícias do catálogo da Stones Throw) e, quando chegamos ao final, a "We're superfly", a viagem já transformou tudo: a voz de Curtis Mayfield em alegre diálogo com vocalizações de hip hop "old school" e a música, orgânica, a crescer em dinamismo como se set de DJ se tratasse. Nesta viagem maioritariamente instrumental (excepção para o spoken word de PacMan em "Tanto tempo"), a pedagogia transforma-se em intuição e as linhas da história procuram tecer um novo classicismo para os clássicos da música negra. Dificilmente a Orelha poderia ter-se introduzido até nós de melhor forma. Que nos deixe com sede do seu futuro é, por ora, um dos maiores elogios que lhe podemos fazer.

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