Imagens de emoções e rostos

Um dos contributos mais interessantes do Festival Temps d''Images é a apresentação de exposições de artistas estrangeiros que trabalham com a imagem em movimento. Recuemos apenas três anos na sua história: tivemos Sharon Lockart em 2006, Anri Sala em 2007 e em 2008 foi a vez de Isaac Julien. Trata-se de uma cronologia curta, mas exemplar da atenção teimosa a um "medium" que conhece um certo arrefecimento no nosso contexto expositivo.

Este ano, o Temps d''Images traz a Lisboa obras de Jesper Just e David Claerbout, artistas que trabalham com o filme e/ou o vídeo, e o primeiro confronto acontece com a exposição de Just na sala de exposições temporárias do Centro de Arte Moderna da Gulbenkian (a individual de David Claerbout só inaugura a 12 de Novembro, no Museu do Chiado).

Dispostos numa ordem temporal, cinco vídeos distribuem-se em paredes diferentes, o que obriga os espectadores a percorrerem o espaço. A solução (talvez determinada pelas condições da sala) sublinha um contraste aparente com as imagens em que estão explícitos referentes visuais, sonoros e narrativos do cinema. Com efeito, o trabalho do artista opera num jogo de espelhos e enganos, num "détournement" dirigido ao que nos é familiar nas imagens por causa da experiência e da memória que temos exactamente do cinema. Em "Something to Love" (2005), um carro que transporta dois homens entra num parque de estacionamento subterrâneo. A cena e o lugar remetem para um "thriller", mas a lógica do género é rapidamente subvertida. Um dos homens (o condutor de meia-idade) chora enquanto vê o outro partir, antes de o "resgatar" do beijo apaixonado de uma mulher. Jesper Just não dá explicações ou razões, mostra apenas lugares. Os dois homens podem ser amantes, pai e filho, ou até a mesma pessoa. E a acentuar esta ambiguidade de sentidos surge a música. As composições originais lembram Howard Shore, Badalamenti ou as melodias do "film noir", mas é por essa excessiva omnipresença que parecem deslocadas da acção. Podemos ouvir o que quisermos.

A mesma instabilidade narrativa e perceptiva existe na trilogia "A Voyage in Dwelling", "A Room of One´s Own" e "A Question of Silence" (2008). A música e as imagens transportam-nos para um imaginário cinéfilo (Tarkovski, Bergman), mas a partitura e a história entrecortam-se, dispensando os diálogos e as caracterizações. Há contudo uma figura principal: uma mulher de meia-idade que embarca numa viagem pelos lugares do desejo, do amor físico (representado em "A Room of One´s Own", em que a iluminação dá às imagens uma luz "hopperiana") e da desilusão. As metáforas e os símbolos abundam (o mar, a água, o corredor) e o mais forte é o da perna que a mulher vai separando do seu corpo e deixa cair, como um vínculo que passou a rejeitar.

Para lá de qualquer agenda mais crítica (nomeadamente sobre os papeis sociais atribuídos à sexualidade masculina), Jesper Just tem um afecto especial pelas pessoas sós, pelos rostos riscados pelo tempo ou desfigurados pelas emoções. O condutor do carro de "Something To Love" não é o único que chora. Também há lágrimas na "aventura" existencial e solitária do homem de meia-idade de "It Will All End in Tears" (2006) e no jovem que, em "No Man Is an Island" (2002), recebe emocionado a dança de um homem mais velho numa praça pública.

Só uma coisa aborrece nas obras do artista: a dependência excessiva do "arquivo" do cinema. Quanto à montagem, vale a pena salientar a dificuldade do espaço em lidar com o som. Em "A Voyage in Dwelling", por exemplo, os graves deviam ser mas discretos.

Vídeo da Montagem da exposição
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