Kaká: um bom partido, um fio invisível

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Em 2007 Kaká recebeu a Bola de Ouro Benoit Tessier/Reuters

Kaká é o futebolista que deita por terra todas as teorias que demonstram a relação entre a pobreza e o talento, entre o futebol do "calçadão" e o futebol europeu de elite. Kaká – era assim que Rodrigo, o irmão mais novo, pronunciava o nome de Ricardo Izecson dos Santos Leite – nunca viveu na miséria.

Longe disso. O pai era engenheiro civil. E foi a mãe, professora em Brasília, que um dia levou Kaká a uma aula nas favelas de São Paulo.

"Tinha uma dúzia de anos. Fiquei chocado, não sabia que aquilo existia", contou recentemente à revista France Football.

Diz que a sua família não nadava em dinheiro. Que Bosco e Simone pertenciam à classe média/alta, aquela que mora numa zona calma e soalheira e que tira férias ao contrário da maior parte das famílias brasileiras. Kaká teve uma infância doce e privilegiada, mas também uma educação rigorosa assente em princípios de vida intangíveis. Aprendeu a dar antes de receber, a ler a Bíblia diariamente e a estudar antes de ter autorização para praticar futebol de salão (no Colégio Baptista). Por isso, era um excelente aluno. Dava-se bem com a matemática e a física, gostava de inglês e desenrascava-se nas restantes disciplinas.

Em 1993, foi o melhor marcador de um torneio que se disputou no Chile.

Pouco depois, os pais, babados, mostraram Kaká ao São Paulo, cujos responsáveis ficaram surpreendidos com a sua calma e sentido de responsabilidade. O seu handicap? Um atraso no crescimento (de cerca de dois anos) recuperado pelo departamento médico. Em menos de dois anos ganhou dez quilos.

Bem mais grave podia ter sido o resultado de uma queda em casa da avó em Outubro de 2000, altura em que cumpria um jogo de suspensão por acumulação de três cartões amarelos (alguém se lembra de algum árbitro ter mostrado um cartão vermelho a Kaká?).

Aconteceu no escorrega, na piscina. Caiu mal e bateu com a cabeça. Foi suturado com quatro pontos, mas um segundo exame detectou fractura da sexta vértebra.

Podia ter ficado paraplégico, mas tudo se resolveu com um colar cervical durante uns dias. A carreira de Kaká descolou em 2001. Em Janeiro de 2002 Scolari chama-o à selecção e na Primavera de 2003 o AC Milan entrou na corrida e ganhou a corrida. O contrato com o clube milanista previa o empréstimo ao Paris SG, mas o jogador brasileiro agora transformado em Ricky convenceu logo no primeiro ano. E ficou.

Gosta de visitar museus, livrarias e igrejas. É um bom garfo, mas não é adepto da noite. Bebe um ou dois copos de vinho de vez em quando e brindou com champanhe no casamento com Caroline que em Dezembro de 2005 juntou mais de 600 convidados. Nunca fumou um cigarro. O maior defeito? Confessa-se: é anti-social. É reservado, tímido nos primeiros contactos e caseiro.

Em casa usa óculos (tem miopia nos dois olhos) e lê a Bíblia regularmente ao som de música religiosa. Gosta de ler revistas e de estar informado, nomeadamente quanto à situação económica do Brasil.

Junto à relva, já se sabe. Há uma imagem perfeita inventada por Ronaldinho para descrever o futebol de Kaká. "Quando se joga com ele existe uma espécie de fio invisível que permanentemente nos liga a ele". Kaká é da linhagem de Zico ou de Sócrates. É elegante, simples e, sobretudo, eficaz. "Faz-me lembrar Michel Platini", disse o técnico Carlo Ancelotti. Não tem a técnica de Zidane, mas é mais potente. Não tem a potência de Ronaldo, mas tem mais técnica. Altera um jogo quando assim o deseja. E isso vale tudo. EM 2007, Andrea Sorrentino, jornalista do La Repubblica que acompanhou o AC Milan a Yokohama, dizia ao PÚBLICO que Kaká é "o melhor jogador da equipa que mais e melhores troféus tem conquistado nos últimos tempos".

Nesse ano ganhou a Liga dos Campeões e a Supertaça Europeia (puxou o lustro à Bola de Ouro e ao troféu Worl Player of the Year). No Japão marcou um golo e juntou duas assistências na vitória por 4-2 frente ao Boca Juniors. "Que ano fantástico", disse Ancelotti. O Real Madrid pagou 65 milhões de euros para ficar com “um bom exemplo para as crianças”, como escrevia hoje o editorial do jornal Marca.

Perfil publicado na edição de 17/12/2007 e actualizado hoje
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