Luandino Vieira: como no Tarrafal o escritor angolano tinha por missão caçar ratos
Não. Às vezes as compras [que os presos pediam] eram muitas, vinham barras de sabão Clarim, e o comerciante mandava um caixote de madeira. Então pedia-se para ficar com o caixote. Pouco a pouco cada um foi improvisando uma mesa. Eu herdei uma bela mesa que o Helder Neto tinha construído ao longo do tempo em que esteve no Tarrafal. Ele saiu antes de eu chegar. Não sei com quem eu negociei essa mesa. Disse: “Epá, esta mesa é que é uma mesa alta.” Eu tinha um banco e uma mesa.
Mesmo ao lado. A minha cama ficava entre uma coisa que funcionava como um guarda-fatos, que tinha um fio e uma cortina que corria, e alguns tinham lá o casaco que tinham trazido. Tinha a cama e a minha mesinha, o que roubava um bocado de espaço. E para isso tive de ficar responsável pela segurança do guarda-fato. Todas as noites armava duas ratoeiras com um bago de amendoim para apanhar os ratos. Eles instalavam-se e roíam. Uma cena caricata foi um que fez criação nos bolsos de um sobretudo, não sei se do Liceu Vieira Dias, se do Agostinho de Carvalho.
Ratazanas não havia?
Não. Era o rato de campo. E eu ficava ali a apanhar os ratos. Era a minha função na caserna, além de cumprir com as escalas todas. Deram-nos autorização para comprar aquelas ratoeiras de mola que se armam com um bocadinho de queijo. Nós não tínhamos queijo, obviamente, mas tínhamos mancarra, ginguba – amendoim. Então, meio amendoim, aquilo muito bem posto, truc! Lá ficava o rato, o que me obrigava todas as noites a levantar, porque fazia barulho. Tirava o rato e ia pô-lo lá atrás, na casa-de banho, no sítio do lixo. E voltava a armar a ratoeira. Porque estando aquele a ocupar a ratoeira os outros podiam avançar.
Era o preço que pagava para poder escrever?
Não era um preço. Era a minha função. Houve tempo em que a caserna dava para ficarmos isolados uns dos outros, e tempo houve em que estávamos mesmo apertados. Uma questão de gestão do espaço, que era feita sempre pacificamente.
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