Já há 300 cabras selvagens no Gerês

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A maioria dos animais vive na região que faz fronteira entre o Parque Nacional da Peneda-Gerês e o parque galego Baixa Límia-Serra do Xurês PÚBLICO (arquivo)

Miguel Dantas da Gama, dirigente e co-fundador do FAPAS- Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens, há-de entrar para a história do único parque nacional lado a lado com José Thomaz de Sousa Pereira, o homem que encetou o repovoamento florestal do Gerês no final do século XIX. Este silvicultor foi o último a observar uma cabra selvagem na serra do Gerês. Corria o ano de 1892. Cento e sete anos depois, Miguel Dantas da Gama foi o primeiro a confirmar o regresso daquela espécie.

Um momento que o ambientalista fixou assim: "Sábado, 20 de Fevereiro de 1999. Trilho o Parque Nacional em busca da cada vez mais rara águia-real, dando seguimento ao trabalho de recenseamento de uma população que inacreditavelmente se abeira do fim. De repente, as silhuetas de um, depois dois, finalmente três animais, uns duzentos metros abaixo do topo da escarpa onde me encontro, fazem-me instantaneamente pensar no que não posso acreditar. O binóculo desfaz, historicamente, a dúvida. São 14h50. A cabra-montês está de volta a Portugal! O Gerês não me parece o mesmo! Um reixelo (macho adulto), uma fêmea e uma cria pastam em liberdade no Parque Nacional da Peneda Gerês!"

Acasos da natureza

Sete anos antes, o FAPAS tinha proposto à então ministra do Ambiente, Teresa Patrício Gouveia, que intercedesse junto de vários organismos espanhóis no sentido de trazer para Portugal alguns exemplares criados em cativeiro. Mas o pedido não teve qualquer consequência. Muitos anos antes, já Américo Tomás tinha feito o mesmo pedido a Franco, mas igualmente sem sucesso.

Com a extinção da cabra-montês em Portugal, Espanha tinha ficado com o exclusivo de uma espécie que é um dos mais cobiçados troféus cinegéticos no lado de lá da fronteira. Cá também o era e foi por causa da caça que a cabra-montês acabou extinta.

Mas os acasos da natureza acabaram por vencer os interesses políticos. Em 1992, a Junta da Galiza tinha trazido da Reserva Nacional de Caça das Batuecas (Salamanca) quatro machos e oito fêmeas de cabra-montês para o Parque Natural do Invernadeiro, para iniciar um processo de reintrodução da espécie. Em 1997, esse núcleo de cabras era já composto por 70 exemplares. Dezoito foram transferidos, no ano seguinte, para o Parque Natural da Baixa Límia-Serra do Xurês. Cinco machos e 11 fêmeas ficaram num cercado em Salgueiros, mesmo junto à linha de fronteira com a Peneda-Gerês. Um macho e uma fêmea foram levados para um outro cercado na serra vizinha de Santa Eufémia, mas estes com o objectivo de poderem ser observados pelos visitantes daquele parque galego. Esta parelha gerou duas crias. Uma morreu logo a seguir. A outra e os progenitores acabaram por fugir. Foram esses três exemplares que Miguel Dantas da Gama observou mais tarde já no lado português.

Crescimento exponencial

Mais tarde, fugiram outras cabras do cercado de Salgueiros para a zona de Pitões das Júnias, no concelho de Montalegre. Em 2000 e 2001, com a população de cabras de Salgueiros em crescimento contínuo, os responsáveis do parque galego libertaram 25 exemplares no Xurês. Como os animais não têm fronteiras, as cabras foram penetrando em território português e tomando conta do seu espaço natural.

O facto de terem sido libertadas muitas fêmeas adultas tem favorecido o crescimento exponencial da espécie. Mas, a prazo, se não forem tomadas medidas, o sucesso desta reintrodução poderá ficar comprometido, porque as cabras tenderão a estender-se no território e a ocupar os mesmos espaços das cabras domésticas, o que pode ter consequências sanitárias nefastas. Um estudo realizado pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa concluiu pela existência de habitats na área do parque nacional com condições para suportar 180 a 270 exemplares de cabra selvagem.

Na opinião de Miguel Dantas da Gama, o regresso das cabras "coloca questões que extravasam a problemática da própria espécie". "Embora reconhecendo-se que o regresso das cabras ao parque nacional é um grandioso fim em si mesmo, é também, e principalmente, um meio para atingir um fim muito maior: a recuperação, o correcto ordenamento e a salvaguarda da Peneda-Gerês, património natural de excepção onde se circunscreve um espaço vital para as cabras", escreve no seu livro A Cabra-Montês, da Extinção à Reintrodução - Um Novo Desafio (edição FAPAS), que acaba de publicar.

Só resta uma águia-real

No passado sábado, cumprindo uma rotina semanal que repete há mais de 20 anos, Miguel Dantas da Gama foi ao Parque Natural da Peneda-Gerês (PNPG) em busca de notícias do único exemplar de águia-real conhecido. Tal como aconteceu com a cabra-montês, também a águia-real está à beira da extinção na mais importante área protegida portuguesa. Ao fim de duas horas de espera, Miguel Dantas da Gama viu irromper, imponente, de uns fraguedos situados um pouco mais abaixo a gigantesca ave de rapina. "Foi um show", conta, exultante.

Já passaram cinco anos desde que Miguel Dantas da Gama viu pela última vez aquela que era a única parelha de águia-real conhecida no PNPG. Esse casal já há alguns anos que falhava a reprodução. Com a morte do macho, a extinção da águia-real parecia inevitável. Mas a fêmea, embora mais dispersa, continua a voar nos céus do Gerês. "É incrível como uma águia consegue resistir cinco anos sozinha. Não conheço muitos casos destes", diz Miguel Dantas da Gama.

O PNPG tem um plano para reintroduzir águias de cativeiro - o Projecto Aquila. A ideia é utilizar as instalações do Parque de Santo Inácio, em Vila Nova de Gaia, para fazer a procriação de alguns aguiotos para serem depois libertados no Gerês. Mas o plano tem sido prejudicado pela dificuldade em encontrar um macho.

As esperanças têm estado depositadas nas águias de cativeiro que os responsáveis espanhóis libertaram nos últimos anos no parque galego do Xurês. Mas só uma ou outra águia conseguiram sobreviver.

Em 1983, ainda existiam na área do PNPG quatro casais de águia-real. As causas da regressão da espécie estão associadas à destruição do habitat pelo fogo, ao aniquilamento das presas naturais pela caça, ao uso de venenos e à pressão humana, nomeadamente a prática de desportos radicais nas zonas mais montanhosas. P.G.

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