Livro revela que Frank Carlucci comandou actividades da CIA em Portugal em 1975
A revelação é feita no livro "Carlucci vs. Kissinger - Os EUA e a Revolução Portuguesa", de Bernardino Gomes e Tiago Moreira de Sá (Ed. D. Quixote) que, com recurso a documentos desclassificados dos arquivos norte-americanos, reconstitui em cerca de 500 páginas a forma como os Estados Unidos acompanharam a situação em Portugal de 1974 a 1976.
"Tudo o que a CIA fez foi sob o meu comando. Qualquer acção que possa ter desenvolvido destinava-se a executar a política dos EUA, que era apoiar as forças democráticas em Portugal. A CIA era parte da equipa [da embaixada] e eles faziam o que lhes mandava", afirma o ex-diplomata na obra.
Carlucci foi sempre um alvo do PCP e da extrema-esquerda. Chegou a Portugal no início de 1975, meses depois do 25 de Abril, em pleno ambiente revolucionário, e tinha palavras de ordem contra ele pintadas nas paredes de Lisboa.
A declaração do ex-diplomata é feita a propósito da importância que dava às "informações" e para explicar o primeiro diferendo que teve com o secretário de Estado, Henry Kissinger, sobre a revolução portuguesa e a resposta a dar pelos Estados Unidos.
Carlucci estava a favor dos "moderados" e Kissinger, durante algum tempo, alimentou a teoria da vacina - que Portugal estava perdido para os comunistas e que, por isso, serviria de "vacina" para outros países em transição, como Espanha e Grécia, ou onde os comunistas tinham crescente influência, Itália.
Sem seu conhecimento prévio, em finais de Janeiro de 1975, o Departamento de Estado envia a informação, tendo como base os serviços de informações, de que "o PCP e elementos de esquerda do MFA" estariam a "planear um golpe" contra os moderados - informações que Carlucci desvalorizou, pedindo que, de futuro, pudesse ter "acesso a toda a informação de 'intelligence' e uma hipótese de a comentar antes de ela ser distribuída".
No livro, os dois autores apresentam "a visão e a acção política dos Estados Unidos em Portugal durante a transição democrática", em que Washington receou que Portugal se tornasse um país comunista.
E concluem: "A acção da América acabou mesmo por contribuir para a vitória das forças democráticas".
Outra das conclusões é que, apesar de Washington ter sido surpreendida pelo golpe do Movimento das Forças Armadas (MFA), a 25 de Abril de 1974, que derrubou uma ditadura de 48 anos, foi recebendo muitas informações sobre a eventualidade de um golpe dos jovens oficiais.
Um exemplo: a 23 de Abril de 1974, um diplomata norte-americano de passagem por Lisboa, Bob Bentley, encontrou-se com um "colaborador próximo" do presidente do conselho a um dia de ser deposto, Marcello Caetano, que lhe falou da iminência de um golpe.
Bentley dirigiu-se à sua embaixada em Lisboa, onde o número dois, Richard Post (em substituição do embaixador Stuart Nash Scott, ausente a caminho dos Estados Unidos), dizendo-lhe o que apurara.
Richard Post, com quem Bentley tinha más relações, "respondeu-lhe que não tinha nada a ver com o assunto e expulsou-o do seu gabinete".
Este trabalho resulta de quatro anos de investigação nos Estados Unidos e em Portugal, através da consulta de arquivos e de muitos documentos norte-americanos desclassificados, e aborda todas as fases da revolução portuguesa - o 28 de Setembro, o golpe de 11 de Março, o Verão Quente e o 25 de Novembro.
Com um Governo em que participavam ministros comunistas, os Estados Unidos receavam pela segurança dos segredos militares da NATO, tendo equacionado o cenário de expulsão ou "quarentena" da Aliança Atlântica.
Num país à beira da guerra civil, no Verão Quente, os autores consideram que o PS, liderado por Mário Soares, chegou mesmo a "pedir ajuda militar" - pedido esse recusado - e que só terá chegado passado o 25 de Novembro, com a entrega de material para a tropa de choque.
A apresentação está marcada para dia 30 de Setembro na Fundação Luso-Americana, em Lisboa, numa cerimónia em que estarão presentes o presidente da Assembleia da República, Jaime Gama.
Bernardino Gomes é licenciado em Ciências Políticas pela Universidade de Lovaina (Bélgica), foi chefe de gabinete de Mário Soares quando este era primeiro-ministro, é assessor do Ministério dos Negócios Estrangeiros e investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), da Universidade Nova de Lisboa.
Tiago Moreira de Sá foi jornalista (1995-2003), é historiador, autor do livro "Os Americanos na Revolução Portuguesa" (Ed. Notícias) e actualmente é investigador do IPRI.