Sem moralismos nenhuns a nossa estranheza explica-se assim: "Corrupção" tem talvez aquela que é a personagem (feminina ou não) mais intrigante do cinema de João Botelho (a de Margarida Vila-Nova, inspirada em Carolina Salgado). Que não é só uma ideia. É um corpo e um novelo contraditório e várias vezes comovente de energia. Isso deve-se à actriz, mas deve-se também ao olhar e dedicação do realizador e argumentistas. (Arriscamos: era esta dedicação que, noutro registo, o do burlesco, teria merecido, mas aí falhou, só ficou caricatura, a personagem de Alexandra Lencastre em "A Mulher que Acreditava Ser Presidente dos Estados Unidos").
Depois, à volta de Vila-Nova, nada, nenhum olhar. Nem tempo para ele. Adivinha-se um curioso tom pícaro entre Vila-Nova e Nicolau Breyner (personagem que terá sido inspirada em Pinto da Costa), mas é esboço, o casal, em termos cinematográficos, não chega a existir e esse é o maior falhanço do filme. Podemos perguntar?: os tais 17 minutos que o produtor cortou afectaram este segmento? O que é que interessava ao projecto, o "thriller", a denúncia?
Nada do que se vê é mais do que resumo mal amanhado do que jornais e televisões foram gritando ou sussurrando. Quem vier à procura de estridentes revelações, sairá como entrou. Nós preferimos ficar com Margarida Vila-Nova. E imaginar que filme "Corrupção" teria sido sem as desavenças entre produtor e realizador. Mas teria sido um filme diferente deste?