Quando as Selecções do Reader''s Digest foram fundadas em 1922, a intenção original era fornecer aos leitores uma "resenha" de artigos publicados noutros jornais, reduzidos à sua essência. Mais tarde, a empresa lançou "livros condensados", eliminando tudo o que fosse "supérfluo" em favor danarrativa central, mesmo que pagando o preço do ambiente, do pormenor, do incidente, do detalhe. As adaptações ao cinema da série de romances de J. K. Rowling sobre o feiticeiro adolescente Harry Potterapresentam-se cada vez mais na linhagem Reader''s Digest dos "livros condensados" - situação impostapela extensão dos livros (que têm andado na ordem das 500 páginas) e pela necessidade de manter aequivalência "um livro/um filme" ao longo dos sete episódios concebidos pela escritora britânica. Daí que os filmes quase nunca tenham conseguido impôr uma existência autónoma, para lá da merailustração dos romances-fenómeno - à possível excepção do terceiro, "Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban" (2004), onde Alfonso Cuarón conseguia revelar na saga do jovem feiticeiro a metáfora doconfronto com a idade adulta que sempre foi o ponto forte dos livros de Rowling e, ao fazê-lo, assinava aadaptação simultaneamente mais fiel e mais cinematográfica de toda a série.A julgar por este quinto episódio, comandado pelo inglês David Yates, com larga experiência na televisão mas que assina aqui a primeira longa-metragem para cinema (e entretanto já contratado para dirigir o sexto filme), "H. P. e o Prisioneirode Azkaban" vai mesmo ficar como a excepção. "Harry Potter e a Ordem da Fénix" tem todos os problemasque afectavam os filmes anteriores, a começar pela vontade de meter o Parque das Nações num beco deAlfama sem conseguir, e a terminar na sensação cada vez mais inconfundível de que se devia ter lido o livro antes de vir ver o filme, sob pena de ser incapaz de fazer o ponto de quem é quem e de quemfaz o quê. E tem dois problemas adicionais. Um: a "escuridão" que se introduzira com a entrada da morte no universo adolescente de Hogwarts em "H. P. e o Cálice de Fogo" (Mike Newell, 2005) só a espaços se sente no filme, significativamente mais "leve" que o romance que lhe deu origem. Dois: onde ainda se conseguia sentir alguma personalidade nos filmesanteriores, aqui sente-se uma máquina de produção a rodar em seco em regime de autoperpetuação, com Yates como mero ilustrador da narrativa que vaidiligentemente riscando as "figuras obrigatórias" na lista à sua frente, incapaz sequer de aproveitar aespectacularidade que lhe é proposta pela sumptuosa cenografia de Stuart Craig. Claro que os actores são bons (embora seja irritante ver o supra-sumo dos actores ingleses reduzidos à cena pontual paramarcar presença - apenas Imelda Staunton tem papel para agarrar com unhas e dentes, uma extraordinária vilã funcionária pública vestida de cor-de-rosa), claro que a produção é irrepreensível, claro que vai ser um êxito monstro, claro que antes isto do que muita outra coisa que estreia e passa por filme. Mas com esta matéria-prima que daria pano para mangas, éirritante termos de nos ficar por uma versão condensada e razoavelmente emasculada - onde até o primeiro beijo de Harry é literalmente "despachado" para seguir com a história.
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