Avaria nas válvulas de fundo pode ter causado naufrágio do "Bolama"

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O "Bolama" foi encontrado naufragado logo à saída da barra do porto de Lisboa, há 15 anos Daniel Rocha/PÚBLICO

"Nas circunstâncias em que o navio se afundou, sem tempo para um aviso de socorro, sem ninguém ter visto um abalroamento, e tendo caído a direito no fundo do mar, só pode ter sido uma coisa repentina, como um problema nas válvulas de fundo", disse Mendes Rebelo em entrevista à agência Lusa.

Mendes Rebelo era, na altura, o director-geral do Instituto Hidrográfico, a quem foi entregue a tarefa de localizar o navio desaparecido a 4 de Dezembro de 1991 e que só foi encontrado cerca de dois meses depois.

"É a única justificação que encontro. O navio tinha estado em reparações e foi modificado para fazer um tipo especial de pesca de arrasto. Será que as válvulas de fundo não ficaram bem fechadas?", interroga-se o almirante.

O ex-responsável do instituto explicou que quando as válvulasde fundo se abrem "a água entra instantaneamente e o navio afunda imediatamente".

"O navio estava perfeitamente assente no fundo do mar, direitinho, no enfiamento da barra Sul do Tejo [uma das duas que são usadas pelos navios que saem de Lisboa]" quando foi encontrado pela lancha Auriga, descreveu.

Familiares tentam reabrir o processo

Os representantes das vítimas e o Sindicato Livre dos Pescadores iniciaram recentemente uma nova ofensiva junto das entidades oficiais para tentar reabrir o processo, que foi arquivado pelo Tribunal de Instrução, onde uma juíza concluiu que o afundamento ocorreu por "causas naturais".

Um buraco no casco do navio — visível nas imagens recolhidas pela Marinha e aparentemente feito já depois do afundamento — está entre os indícios apresentados à Procuradoria-Geral da República.

O pesqueiro — que não pediu autorização às autoridades marítimas para sair da barra — tinha partido para uma prova de mar a fim de testar o novo sistema de redes, com 30 pessoas a bordo, e desapareceu poucas horas depois.

A Marinha esquadrinhou várias zonas em busca do arrastão, cruzando informações das capitanias de Lisboa e Cascais e elementos que foram surgindo durante as buscas.

"À saída da Barra, o patrão do 'Bolama' perguntou a um outro com o qual se cruzou qual seria o melhor sítio para deitar as redes. De acordo com essa informação, definimos uma área de pesquisa para as operações de busca", disse o almirante Mendes Rebelo.

O aparecimento de um corpo ao largo das Berlengas levou também a Marinha a pesquisar nessa zona.

Informações que davam conta do avistamento de uma silhueta semelhante à do navio desaparecido na Praia das Maçãs foram também investigadas.

O aparecimento de um outro corpo a sul de Cascais levou a Marinha a procurar o "Bolama" também nesta zona.

Durantre cerca de um mês e meio, a lancha hidrográfica "Auriga" nada encontrou.

"Estivemos quase para desistir, mas lembrámo-nos então de procurar na Barra", adiantou o ex-responsável do Instituto Hidrográfico.

O navio viria a ser localizado a poucas milhas da saída da barra do rio Tejo, a uma profundidade de 110 metros.

"Apareceu nitidamente um objecto no sonar e fomos investigar melhor com um aparelho, o ROV [aparelho operado por controlo remoto, ROV na sigla em inglês], que dispunha de uma câmara de vídeo e era controlado a partir do navio", disse o almirante.

O navio, onde o nome "Bolama" aparecia nitidamente escrito no costado, foi rapidamente identificado, mas as causas do afundamento ficaram, até hoje, por esclarecer e foram alvo das mais diversas teorias.

Rombo não teria sido suficiente para afundar o navio

O almirante Rebelo diz não ter visto qualquer indício de abalroamento na altura em que o ROV captou as primeiras imagens do "Bolama" e referiu que um rombo visionado em filmagens posteriores não teria sido suficiente para afundar o navio.

"Além disso, se houvesse um abalroamento o navio teria afundado tombado, e não a direito. A hipótese de ter sido uma coisa repentina é a que me parece mais lógica", vincou.

Só é possível saber ao certo o que aconteceu trazendo o navio de novo à superfície, mas a grande complexidade e elevados custos da operação ("uma fortuna", segundo o almirante Rebelo) devem deixar para já os segredos do "Bolama" no fundo do mar.